quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Sobre Política II

Venho acompanhando com relativa atenção a movimentação política na timeline do meu Facebook nos últimos dias. Considerando que não tenho mais a malemolência necessária para sobreviver no Twitter (rede social, inclusive, que impulsionou a criação desse blog láááá em 2010), o FB tem sido um dos poucos lugares que me permitem fazer uma análise, obviamente parcial e superficial, do comportamento dos eleitores brasileiros em tempos de eleições presidenciais.

Antes de expor minhas observações, preciso destacar que minha rede de contatos é bastante limitada. Devido ao meu histórico em RPGs de fórum, tenho a vantagem de observar pessoas das mais diversas regiões do país, mas ainda assim a maioria dessas pessoas é composta por gente branca/parda, de classe média, com idades entre 18 a 30 anos, com ensino superior cursando ou completo, moradores de grandes regiões metropolitanas, ainda moram com os pais e com acesso extenso a cultura. Então, levem em consideração que minha "experiência" foi feita com esse padrão de "amostragem".

Vou elencar minhas quatro principais observações em tópicos porque adquiri essa mania e o blog é meu e eu faço o que eu quiser 2bjos:

1) Política, BBB, futebol e fofoca de vizinhos é tudo a mesma coisa. Até agora não encontrei entre meus contatos alguém que faça campanha baseado nas propostas e análise de trajetória político-pessoal de seus candidatos. Ao invés disso, enchem a timeline com publicações que vão de difamações sutis até montagens absurdas de vídeos e acusações esdrúxulas que envolvem espancamento, estupro e gatinhos fofos. Não sei nada sobre as propostas de campanha da Dilma, da Marina e do Aécio, mas tô super por dentro de todos os podres, babados, confusões e gritaria em que eles estiveram envolvidos.


2) Em 2014 as pessoas ainda não sabem usar o Google. Mesmo com ferramentas de pesquisa poderosas, o eleitorado brasileiro ainda prefere acreditar no disse-me-disse (que se ampliou através dos compartilhamentos no Facebook). Não há também a menor preocupação em buscar dados reais, aprender conceitos simples e pesquisar a História do Brasil. Pessoal às vezes não sabe nem do que tá falando.


3) Não elegemos um presidente e sim um rei absolutista. As pessoas não têm a menor noção do que um presidente realmente faz e nem quais são os limites para suas decisões. Pior que isso, é não fazer a menor ideia da função dos senadores e deputados e negligenciarem por completo o cuidado com a escolha desses últimos. Você pode sair da Colônia, mas a Colônia não sai de você.


4) Fiscalizar o cu alheio vira proposta de governo. Junto com saúde, educação, segurança pública e desemprego, esse ano temos muitos candidatos - e defensores desses candidatos - que baseiam sua plataforma de governo no posicionamento a favor ou contra a homossexualidade. O mais incrível é que as propostas dessa área são as únicas elaboradas de forma estratégica e apresentadas de forma clara, mesmo que sejam totalmente sem noção.



Diante de tudo isso, cheguei à conclusão de que não estamos nem perto das mudanças que tanto almejamos. Os eleitores torcem pelos seus candidatos da forma apaixonada dos torcedores fanáticos de times de futebol e esquecem que o período eleitoral na verdade se parece mais com uma entrevista de emprego para escolher seus funcionários pelos próximos anos.

A vida era bem mais fácil na época do Orkut.


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sobre Apocalipse Zumbi


Eu fui criada pra ser uma estrela. Sempre precoce, desde muito novinha eu era uma daquelas crianças que chama a atenção de todo mundo por se comportar como se fosse mais velha. As palavras nunca vieram com errinhos fofinhos, mas eram sempre bem pronunciadas. O raciocínio e a lógica surpreendiam. Eu sempre fui uma menina de futuro promissor. Tão inteligente, com tanto potencial. Gabriela vai ser doutora. Gabriela vai ser um sucesso.

E assim se seguiram os anos da infância e da adolescência. Aluna inteligente - um pouco indisciplinada - e popular, notas altas, aprendizado rápido. Eu era aquela que faria cursos renomados, que iria longe. Com dezesseis anos terminava o terceiro ano e já estaria em uma faculdade pública. Com vinte e dois no máximo já estaria formada e passaria em um concurso público. Meu destino estava traçado. Ascensão meteórica.

Assim foi por muito tempo, até que de repente eu estava em uma faculdade que eu odiava - e quem lê esse blog há algum tempo já cansou de saber essa história. E foi então que eu percebi que tudo o que eu tentei ser, a vida inteira, foi o que as pessoas esperavam de mim.

Pensei que ao abandonar a faculdade - ó, que rebelde - eu tinha mostrado que não iam mandar em mim. Mas ledo engano. Fiquei parada, em estado de choque, sem fazer a menor ideia de quem sou ou o que fazer. Então fiz... Concursos públicos! Eu jurando que fugia do que me diziam que era certo, mas nunca trabalhei em uma empresa privada, acreditam? Estava enraizado em mim que um emprego só valia a pena se fosse com a estabilidade de um concurso público no qual eu deveria passar e ficar o resto da minha vida.

Hoje eu percebo que eu nunca existi. Não existe Gabriela. Existe apenas um fruto das inúmeras expectativas em mim depositadas. Eu nunca pude descobrir o que eu quero, o que eu amo, o que eu gostaria de ter ou ser. Eu vivo pensando no que os outros estão pensando de mim. Tudo o que eu faço não é voltado para satisfação pessoal e sim, para reconhecimento alheio. Eu nem mesmo posso dizer que sou frustrada, porque basicamente, é impossível frustrar alguém que não tem desejos próprios.

Eu queria morrer. Sem dramas ou nada do tipo, mas eu queria por um ponto nisso. Eu nunca existi como pessoa, apenas como um reflexo de vontades alheias. E eu frustrei essas vontades. Nem competência pra isso eu tenho.

Talvez se eu ficar pra sempre aqui trancada no quarto, eu acorde um dia e descubra que o apocalipse zumbi chegou.

Aí sim.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Sobre Sensibilidade


"Tá doendo pra caralho."

Escrevi e apaguei essa fase mil vezes no meu status do Facebook. Por fim, decidir não postar. Íntimo demais, desesperado demais. Em quatro palavras há tantas outras. Há aquele grito de socorro velado, há a atenção sendo implorada, há o desespero em ser salva. Melhor não. Não há muito o que possa ser feito.

O mais difícil em admitir minhas dores emocionais é o reconhecimento de que nem todo o meu esforço foi capaz de me salvar. Que o meu melhor não é o suficiente. Tô transbordando de mágoa, de dor, de tristeza, de decepção.

Segredo: Mesmo sendo esse poço de racionalidade, eu sou uma sonhadora. Sou daquelas que alimenta esperanças de que existem finais felizes ideais, daquelas que acredita que em algum momento, as pessoas vão acordar e vão decidir reconhecer meu valor, daquelas que pensa que uma hora alguém vai vir fazer tudo ficar bem. Talvez seja por isso que eu tenha me esforçado tanto pra fazer isso por outras pessoas. Pra provar que existe alguém assim. Nem que seja só eu mesma.

Eu fico tão perto de desistir todos os dias. E fico tão perto de me tornar uma pessoa cruel e vingativa. E no fim eu sou só alguém ferida. No fim não faço nem um, nem outro.

No fim, só tá doendo pra caralho mesmo.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Sobre Dormir no Sofá

Quando você me vê com meus amigos bebendo num boteco, eu sou um vagabundo. Isso não é ambiente prum homem casado decente estar. E quando eu chego em casa cheirando a cerveja e ela me põe pra dormir no sofá, ela tem toda a razão do mundo. Mulher nenhuma é obrigada a dormir ao lado de homem fedendo a cachaça e a ambiente vulgar.

O que ninguém vê é que eu trabalho todos os dias pra sustentar a casa onde ela mora, sabe? Que mesmo nos meus dias de folga, eu tô fazendo bico, procurando um jeito de ganhar mais dinheiro pra manter o padrão de vida que eu me comprometi a dar. E não é só moradia, água e energia. É TV a cabo, é viagem, é roupa, é sapato, é perfume, é óculos escuro, é carro pra ver a mãe todo dia. É comer fora e é conta do celular. E mesmo assim, ela não acha que é o suficiente. A gente devia ter uma empregada doméstica pra cuidar desse lar. Porque ela também trabalha fora, ora essa! E ela não é obrigada a ficar arrumando as coisas só pra eu bagunçar.


Eu era um cara remediado antes dela, sabe? Minha vidinha tava começando a ficar no lugar. Hoje eu tô devendo o banco e o que eu ganho não dá conta de manter a gente. Não dou conta mais de pagar as parcelas do carro e ando de a pé, descendo e subindo morro todo dia pra ir trabalhar. Ela não diz na minha cara, mas as coisas já não são mais as mesmas entre nós. Ela mudou depois que o cinto começou a apertar. A gente briga bem mais que antes e parece que tem um abismo entre mim e ela. Fiquei deprimido, engordei e tô tendo problema capilar.


A convivência tá difícil, às vezes eu penso que devia ir embora. Que depois que ela entrou na minha vida, o trem começou a descarrilar. Mas o pior de tudo é que eu acho que amo mesmo a desgraçada. Porque só de me imaginar sem ela eu já fico sem ar. Pior de tudo é que ela gostava tanto de sexo no início. Eram cinco vezes no dia, sob o sol ou sob o luar. Agora é uma vez a cada duas ou três semanas. E ainda assim, é só se eu implorar.


Mas ela tá certa de me colocar pra dormir na sala. Só porque eu saí com meus amigos pra beber ela já avança na minha jugular. Porque ela é uma mulher decente e eu devia respeitá-la. Porque ela é uma mulher da igreja e tem uma reputação a zelar.


Ainda assim, eu tenho um negócio pra te dizer, minha amada. É que com isso tudo o que tá acontecendo, você nem percebe que você tá quase ficando sem par. Eu não sou homem que trai, que bate ou que xinga. Só que uma hora, eu vou me cansar. Então, eu resolvi voltar a tomar minha cerveja que você tando odeia. Porque é o momento que eu tenho sossego, já que você não frequenta bar. E então eu chego em casa, fedendo cachaça. Mas foi porque esse é o único jeito que eu encontrei pra não deixar de te amar.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Sobre Receita da Felicidade


Há dois anos atrás, perdi quinze quilos e hoje, engordei eles e mais alguns de volta. Já joguei a culpa em mil coisas. Há dois anos atrás, passei em um concurso público federal e hoje, estou passando por problemas profissionais extremamente difíceis. Já joguei a culpa em mil coisas. Há um ano e meio atrás, eu estava vivendo plenamente o melhor momento emocional da minha vida e hoje, estou pensando que morrer nem sempre é uma opção tão ruim. Já joguei a culpa em mil coisas.

Então, eu estava aqui agora lendo sobre novos produtos e dietas que prometem o emagrecimento rápido e indolor quando me toquei que eu já sei a receita mágica. Que eu mesma pude testar, comprovar e usufruir dos resultados. E isso me fez refletir sobre como tenho encarado a vida.

O que eu descobri é que eu sou mimada pra caralho. Eu tive pais incríveis - e mesmo com os nossos problemas monstruosos em alguns setores da vida - e eles, para o bem ou para o mal, sempre fizeram com que eu me sentisse segura DEMAIS. A sensação que meu irmão e eu sempre vivemos é a de que independente da cagada que façamos, sempre teremos pra onde correr. Eu também conto com amigos muito leais, mas a lealdade deles também colabora nessa segurança excessiva que eu sinto. Eu sempre tenho o apoio deles, mesmo quando estou errada - e percebi que eu também sempre os apoio, até mesmo quando não concordo com o que eles estão fazendo. Pra completar, eu sou extremamente inteligente - desculpaê, mas sou mesmo - e isso faz com que eu sinta que posso fazer o que quiser e conseguir o que quiser apenas por me considerar intelectualmente superior. Some tudo isso e vocês descobrirão que na verdade eu sou preguiçosa, irresponsável, acomodada e sem vergonha.

Eu sempre me considerei diferente da maioria e não sei como pude me enganar por tanto tempo. Pessoas diferentes da maioria fazem a diferença e tem muito tempo que eu não sei que sensação é essa. Eu sou só mais uma na multidão, comum e vulgar. Não usei nenhum dos subsídios positivos que a vida me ofereceu pra fazer algo realmente bom, seja por mim, seja pelo mundo. Ocupo mais tempo da minha mente e da minha vida inventando desculpas pra justificar meus fracassos e minha infelicidade do que fazendo algo real.

Consciência é um negócio complicado. Eu sei que eu poderia resolver uma porcentagem considerável dos meus problemas apenas tomando a iniciativa de resolvê-los, mas em algum momento, eu perdi essa capacidade. Hoje, eu evito atender telefonemas sobre problemas, evito falar sobre assuntos sérios, evito refletir sobre os rumos que minha vida estão tomando. Não sei bem quando foi que comecei a ficar tão desprezível e o pior é que não estou me esforçando muito pra mudar isso.


Se meu conselho serve de algo, ouça: Desista dos milagres! Não há fórmula mágica! Se você se sente cansado durante a manhã, durma mais cedo. Se quer emagrecer, feche a boca e malhe. Se quer ter sucesso, rale e se dedique. Abandone esse relativismo moral. Pare de usar sua visão seletiva. Há gerações que dedicação, disciplina e iniciativa geram o mesmo resultado: sucesso. Então não se baseie em exceções. Não culpe Deus, a sociedade capitalista, o sistema opressor e *insira seu clichê aqui*. A culpa é sua. A culpa é toda sua. Recebemos a receita da felicidade há muito tempo e também todos os ingredientes. Se não estamos utilizando-os na medida certa, o problema é nosso.

Você não é responsável eternamente apenas pelo que cativa. Mas também pelo que cultiva. E como cultiva. E já diria Marcos Paulo e Rulian (depois parafraseados pelo Latino, aquele "gênio"): "Quem planta sacanagem colhe solidão. Eu tô plantando comidas calóricas, preguiça, procrastinação, covardia e mágoa.

Ao menos, imagino que esse post seja a primeira semente de vergonha na cara.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Sobre Aniversário II e Deus II


Senhor Deus,

Há alguns anos atrás, nesta mesma data, eu publicava aqui um texto humorístico sobre meu aniversário. Em primeiro lugar, quero dizer que dessa vez, não estou escrevendo do vaso sanitário e acho que isso já é uma grande evolução.

Em segundo lugar, eu queria dizer que vim aqui mesmo foi pra agradecer. Sabe, minha vida anda uma droga em muitos sentidos, tem muito problema, muita coisa difícil rolando e anteontem mesmo, o Senhor veja bem, eu liguei pra minha mãe dizendo que não queria mais ser adulta, que queria morrer, e etc. Lembro quando criei esse blog justamente por causa da minha mania de ligar pra minha mãe sempre que as coisas dão errado, como se ela simplesmente pudesse fazer tudo desaparecer. Ela continua sem poderes mágicos e eu continuo insistindo que ela tem e só está me testando.

De qualquer forma, o negócio é que mesmo assim agradeço, sabe? Agradeço porque mesmo querendo mandar tudo a puta que pariu em alguns dias - e muitas vezes, várias vezes ao dia - eu ainda me mantenho firme e sei que muito dessa força não vem apenas de mim. Sei que há algo cósmico e universal que me empurra sutilmente pra frente, me mostrando que ainda tenho o que fazer.

O Senhor sabe, eu não sou muito boa em aceitar essa Seu estereótipo cristão. Morro de preguiça do que as pessoas fizeram com a Sua imagem, sabe? Me recuso a acreditar em um Deus à imagem e semelhaça do ser humano pelo simples fato de que o ser humano tem muita coisa bacana, mas também consegue ser a pior escória sobre a face da terra. Todos nós temos ambas as capacidades dentro de nós e são várias questões que definem o que nós escolhemos e obviamente, nem sempre escolhemos o mesmo lado. Não consigo acreditar que sou obrigada a adorar um megalomaníaco egocêntrico e ditador que dá com uma mão e tira com a outra. Não consigo imaginar uma forma pensante assentada num trono com anjos o exaltando pela eternidade, dono de tudo o que existe e ainda assim, perdendo tempo conosco, pequenas formigas. Vigiando nossos passos, olhando se comemos frango que teve o pescoço torcido, se na hora da raiva jogamos praga no coleguinha, se na hora do tesão fizemos sexo sem ser casados, se usamos brincos pra nos enfeitar, se pensamos em nós em primeiro lugar de vez em quando, se temos uma tatuagem, se bebemos algo alcoólico, etc. Me parece muito infantil, carente e medíocre. Me parece mesquinho demais essa necessidade de controlar cada passo de um mundo superpopuloso cuja grande maioria nem acredita que você exista. (Religiões orientais são mais antigas e têm mais fiéis muito mais rígidos que Você, dorme com essa).

Portanto, prefiro pensar em Você como algo superior a isso. Como um grande poder, uma grande concentração de energia boa e pura que tenta equilibrar o mundo da melhor maneira possível. Não te enxergo como algo pensante, mas como o mais puro instinto do amor. Não te imagino exigindo sacrifícios e adoração, te imagino apenas nos respondendo conforme nossas ações. Gosto de imaginar que fazer o bem trará o bem e o mesmo vale para qualquer sentimento. Não sei se há algo depois da vida e não pretendo descobrir enquanto não morrer, então, o que me interessa é o que venho plantando nesse mundo. Além do mais, se eu tivesse que aceitar que Você é realmente algo palpável, preferiria te ver como um dócil cachorro vira-lata, que ama incondicionalmente quem o ama, que nunca pune as pessoas mesmo quando elas são más, que vai embora quando alguém grita/bate/xinga e não hesita em voltar todo feliz assim que ela chama de volta, que sempre está disposto a perdoar e que nunca tem medo de demonstrar o quanto precisa de alguém. Um cachorro é muito mais nobre que um homem, a cada dia que passo aprendo mais sobre isso.

Agradeço também porque sinto que mesmo que às vezes eu me sinta inclinada a semear algo ruim, o Senhor sopra em minha direção e me faz repensar. Agradeço porque mesmo assim às vezes eu insisto em fazer algo ruim, mas em algum momento as consequências vêm e eu sempre aprendo com elas. Agradeço por essa força incrível que vem do nada quando preciso, sempre sendo trazida por alguém, por um gesto ou por um simples cenário do meu dia-a-dia.

Sabe, aquela coisa da tragédia de Santa Maria mexeu muito comigo por vários motivos. A início, o principal foi porque pensei que uma amiga minha poderia estar lá. Mas uma vez tendo-a segura, o que mais me comoveu foi a quantidade de pessoas que morreu MESMO TENDO CONSEGUIDO SAIR DE LÁ EM UM PRIMEIRO MOMENTO, mas que voltaram pra ajudar outras pessoas até se tornarem vítimas também. Meu Deus, eu senti um amor tão imenso por essas pessoas e ao mesmo tempo, como se fosse o próprio amor que essas pessoas emitiram ao agirem assim. Muitos simplesmente correram pra segurança, mas muitos continuaram lutando, não por um amigo ou um familiar, mas por desconhecidos que estavam ali, à mercê da morte. Isso mexeu comigo. A caridade é algo lindo demais, principalmente nesses momentos em que você percebe que foi algo realmente puro, carregado apenas pela intenção de ajudar alguém e não em se tornar um herói. Porque um herói tiraria uma pessoa e posaria pra fotos, e uma pessoa caridosa lutaria até o fim das suas forças pra salvar o máximo de pessoas possíveis. Se existe algo depois da morte, reserve algo muito bom para essas pessoas. E se toda energia que vai, vem, espalhe esse amor aos corações que precisam dele.

Eu pensei em falar contigo também sobre absurdos como os preconceitos disseminados pelo pr. Silas Malafaia, mas descobri que eu respeito a idiotice dele, contanto que ele respeite meus "pecados". Aceitei que todo mundo pode falar o que quiser hoje em dia e que não devo me incomodar com isso, desde que elas não tentem se intrometer diretamente na minha vida. Aliás, te agradeço também, por conseguir filtrar o que vale a pena seguir do que vale a pena descartar. Uma pena que ainda existe muita gente que não tem essa capacidade.

Sinto muito se Te ofendi com alguma coisa, não foi minha intenção. Se o Senhor for algo próximo do que eu acho que é, sei que não é possível te ofender. Mas se eu estiver completamente equivocada e o Senhor for aquele maluco descrito na Bíblia, sua onisciência deve permitir que o Senhor me conheça bem o suficiente minha franqueza e não adiantaria nada guardar isso pra mim, porque no fim, o Senhor saberia do mesmo jeito. De qualquer forma, paciência. Nunca abaixei a cabeça para o que acho errado e se o Senhor for o culpado por tudo de bom e de ruim nesse mundo, discordamos em vários aspectos e não vou fingir que concordo com tudo só pra garantir um lugar no céu.

(Essa sou eu, comprando vaga no inferno, mas não abrindo mão do que acredito, pff)

De qualquer forma, não discutamos. Só saiba que independente do que acredito, hoje, eu sei que tenho muito que agradecer a algo ou alguém que não sei bem quem ou o que é. Eu escolho agradecer ao Senhor. Mas caso alguém que esteja lendo este texto seja o responsável por tudo o que citei, reclame com o nosso atendimento ao cliente.

No mais, vou dormir, agora com vinte e cinco anos, casada com um evangélico fanático que teria um ataque de nervos se lesse esse texto, "mãe" de quatro cachorros lindos, gerente de uma agência dos Correios (e quero dizer, detesto ser gerente, vamos trabalhar isso aí, heim?), morando no interiorzim de Goiás e esperando um monte de pessoas queridas pra vir passar o feriado comigo.

E seja o que Deus quiser. Ou o que eu fizer por onde ;)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Sobre Limites


Muito tempo sem postar aqui. Não por não ter tempo ou não ter o que falar, mas é como se houvesse uma energia me impedindo de... sei lá, de simplesmente ser eu mesma. Ando vivendo em extremos. Muita responsabilidade no trabalho, uma casa pra cuidar, três cachorros pra vigiar, um marido - alguém aí ainda não sabe que eu casei? - e problemas familiares. Ando tão cansada que perco a vontade de falar, de escrever, de conversar. Devia estar tudo bem, tudo encaminhado, mas não está. E não há sequer um vislumbre de solução. Vida real, simplesmente. Vinte cinco anos em menos de um mês, ficar mais próxima dos trinta que dos vinte, um cotidiano totalmente novo e a velha sensação continua aí. Deixei de viver. Tô nessa de só existir.

Que porra tem de errado comigo?

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Sobre Eleições


Olha, período eleitoral me deprime. Principalmente porque meu pai é candidato a vereador e isso quer dizer que tenho que manter minhas opiniões devidamente guardadas porque estarei sempre sob a possibilidade de ser chamada de parcial ou ainda pior, posso entrar em um conflito familiar sem precedentes.

É difícil ser uma pessoa analítica e com bom senso. E não, não vou me fingir modesta. Me considero mais inteligente que a maioria das pessoas e francamente? A cada dia que passa essa certeza se confirma. Diante do embate político municipal é NOTÓRIO ver como as pessoas são INCAPAZES de pensar na coletividade, analisar criticamente as propostas e a viabilidade das mesmas, observar o currículo dos candidatos e principalmente, ler as intenções por trás dos principais cabos eleitorais.

Pra começar, a verticalização - em resumo, a verticalização obriga as coligações partidárias feitas a nível nacional serem estritamente repetidas em nível estadual e municipal - foi vetada. Isso quer dizer que não estamos nos Estados Unidos nos dividindo entre republicanos e democratas. Estamos numa zona de partidos que em certos locais são aliados e em outros, inimigos mortais. Não existe partidarismo, não existe bandeira, não existe ideal. Só existe interesse, é tão difícil assim de visualizar?

Em segundo de lugar, convido a todos os curiosos a analisarem os últimos administradores públicos nacionais, estaduais e municipais. E é óbvio que vocês vão reparar que geralmente, dois grupos se revezam no poder. Raras vezes há o surgimento de uma nova liderança. Quem está na máquina pública a usa em seu favor nas campanhas. Quem está fora, mas já esteve lá dentro, usa as falhas da atual adminitração e aproveitam a memória curta do brasileiro pra ocultar as falhas da administração deles, fazendo com que os facilmente iludíveis lembrem-se apenas das "coisas boas", que vêm fantasiadas e maquiadas de tal forma que faz os mais igênuos pensar "mas gente, como nós deixamos esse cara sair do poder?";

Em terceiro lugar, principalmente nas cidades com menor população, política se assemelha muito a futebol. Fora as pessoas que apoiam um grupo para manter seus empregos e interesses, há aqueles que não tem nada a ganhar ou a perder - e que assim, têm ainda mais liberdade para escolher com sensatez - que simplesmente escolhem um lado e torcem como se fosse um jogo de futebol. Gritam, fazem barulho, xingam o juiz (nesse caso, o eleitoral) se ele "favorece" o outro lado, aplaudem se ele "favorece" o lado deles, formam torcidas organizadas, ofendem o adversário, fazem gritos de guerra cheios de difamação e até mesmo partem para as vias de fato. Política não é paixão, minha gente! É claro que envolve ideais e expectativas, mas pelo amor de Deus, envolve principalmente o nosso futuro. A nível municipal então, são coisas que vão nos afetar diretamente e de forma muito mais imediata. Dá pra parar de votar nas pessoas ou no partido, e sim votar nas propostas e principalmente, na capacidade deles de as tornarem reais?

A liberdade de expressão fortaleceu-se muito com as redes sociais. E daí eu vejo um monte de pessoas que não sabe sequer escrever corretamente achando-se os donos da verdade, trocando provocações e obviamente, se atendo aos ataques pessoais porque são INCAPAZES de discutir ideias. Sou contra, falo mesmo. Acho que pra se entrar em um debate, no mínimo, a pessoa deve saber ler e escrever conforme as regras ortográficas básicas. E acho que para votar, a pessoa deveria conhecer um mínimo de política. E é claro que isso não é nenhum pouco conveniente, afinal, o "povo gado" é a maioria e se a maioria começar a criar consciência própria ao invés de caminhar na consciência coletiva, isso colocaria em risco o atual sistema político brasileiro. Não convém. Manter uma população de quase duzentos milhões alienada é muito mais fácil do que ter duzentos milhões de pessoas que pensam. Um perigo esse negócio de pensar, gente.

O melhor de tudo é ver pessoas a falsa neutralidade dos mais esclarecidos. Se um partidário adversário fala alguma besteira, é crucificado. Mas se é um aliado, é aplaudido por sua iniciativa de estar lutando. Estão sempre mordendo e assoprando, afinal, vivemos a realidade hipócrita do - vejam só a palavra - politicamente correto. Politicamente. Hahahaha.

Às vezes eu entendo a ditadura. É claro que é complicado esse negócio de cerceamento de liberdade para a nova geração, mas eu consigo sentir o peso que é ser governada por uma maioria esmagadora de políticos incompetentes, sabendo que a minoria que pensa jamais conseguirá superar a maioria ignorante. E antes de ser chamada de preconceituosa, ignorante não é quem estudou pouco. Ignorante é aquele que foi alienado e manipulado a tal ponto, que não consegue mais chegar a conclusões por conta própria. E antes de ser chamada de "classe burguesa opressora" quero dizer MEU CU DE BOLINHA. Programas de assistencialismo não fazem de um governo um governo solidário e preocupado e sim, um governo esperto o suficiente para fazer o mínimo possível pela sua população e assim, mantê-los dependentes. Afinal, pra que estimular a independência intelectual e financeira? Quem garante que uma vez fora da Matrix, haverá gratidão por aqueles que ofereceram a pílula?

Eu despenderia horas e horas nessa revolta minha ainda, mas tenho que trabalhar amanhã e graças a Deus, não dependo de política pra manter meu emprego. Porque se dependesse, a publicação desse texto comprometeria minha segurança financeira. Entendem agora como é fácil controlar um eleitor? Somos animais, meus queridos. Coloque-nos entre a sobrevivência e nossos ideais e vocês já sabem muito bem o resultado.

Não tenho esperança de que tudo o que eu disse aqui possa servir de algo, além de um desabafo. Mas ainda na esperança, se eu pudesse dar um conselho, abandonem a ideia do "melhor que nada". Oferecer qualidade de vida é uma obrigação constitucional do governo. Não se conformem. Exijam o máximo que puderem.

Eleitor, você é o cliente. E porra, o cliente tem sempre razão.

domingo, 10 de junho de 2012

Sobre Poucos Caras

(Não ficou a melhor coisa do mundo - acho que tô passado tempo demais sem escrever - mas vale a intenção. Post dedicado a todas as garotas incríveis que eu conheço mas que só poucos caras foram sábios o suficente pra perceber isso).

Poucos caras sabem dar valor a uma garota que é capaz de mudar. A maioria quer alguém que venha imaculdada de fábrica, esquecendo o valor que os erros e acertos adicionam à uma garota que viveu de verdade, esquecendo que com esse tipo de garota,  ser legal, ter caráter e se esforçar pra ser uma companheira bacana é uma opção de quem conheceu as possibilidades que o mundo oferece e não a falta de opção de alguém alienada e alheia à realidade do mundo ao seu redor. É que poucos caras estão preparados pra lidar com uma garota que tenha o poder de escolha e se assustam até mesmo quando elas decidem escolher eles.

Poucos caras sabem dar valor a uma garota independente. Essas meninas que trabalham, que ganham sua própria grana, que pagam suas contas, que adquirem seus próprios carros, roupas, sapatos e mimos por conta própria e que dividem a conta - e até pagam sozinhas se a sitação demandar isso - são assustadoras. Em que mundo estamos? Cadê o poder masculino? Cadê o direito do homem exercer seu papel de provedor e garantir sua segurança como chefe de família? É que poucos caras estão preparados pra entender que uma mulher independente não está concorrendo com ele. Ela trabalha porque gosta, porque quer, pra ajudar. Mas isso não a torna menos feminina. Ela não se importa que o homem seja o cabeça, mas está pronta pra ajudá-lo, apoiá-lo, aconselhá-lo e instruí-lo se for preciso. É que poucos caras conseguem ver que não é o status financeiro que vai definir a relação entre um homem e uma mulher e sim como eles lidam com isso.

Poucos caras sabem dar valor à garota bonita e comum, preferindo sempre a cobiçada gostosa ou a princezinha inalcançável. Essas moças comuns, que tem o sorriso bonito e talvez o nariz meio achatado, que tem olhos encantadores e alguns quilinhos a mais, não são um troféu digno de nota. É preciso ter um avião ou uma jóia cobiçada, uma prova da sua masculinidade, de preferência com uma faixa: "Todos querem me comer, mas eu decidi dar só pra esse aqui". É que poucos caras se lembram que a convivência faz com que você se acostume até com a mulher mais gostosa do mundo a ponto de torná-la comum. Eles não refletem que a beleza vai embora com o tempo - tanto a das mulheres quanto a dos homens - e que vai ser a forma como ela ri, o jeito como ela te abraça quando você está triste ou cansado, a capacidade dela de respeitar os momentos em que você precisa de silêncio ou o olhar amoroso que ela é capaz de te dedicar todos os dias é o que vai torna-la bela ao seus olhos quando ambos já tiverem rugas, cabelos brancos e idade avançada.

Poucos caras sabem dar valor a uma garota inteligente. Esse negócio de ser contestado, de ouvir "você está errado", de ser obrigado a aceitar que sua decisão não foi acertada, de ter que conviver com o destaque de uma mulher em uma conversa eventual, de ter aquele errinho de português corrigido é muito aborrecido. É que poucos caras conseguem enxergar que há vários tipos de inteligências e sabedorias, e que uma mulher que acrescenta uma - ou umas - dessas inteligências e sabedorias à relação, está somando essas características a eles próprios. Poucos caras sabem enxergar um casal como uno, como duas pessoas diferentes que por opção estão juntos e que passam a ser enxergados como um só na maior parte do tempo. Poucos caras sabem reconhecer que alguém lhe possa ser complementar.

Poucos caras sabem dar valor a uma garota forte. Garotas histéricas, inseguras, instáveis, possesivas e mimadas são mais fáceis de controlar. Essas meninas que conseguem abrir a garrafa de refrigerante sozinhas, que conseguem manter a calma durante as crises ou que lidam com maturidade quando surgem as adversidades são opressoras. É que poucos caras conseguem admitir que também têm medo, que também têm dúvidas. É muito difícil aceitar que o porto seguro muitas vezes é exatamente alguém do sexo tido como frágil.

Poucos caras sabem dar valor à garota que além de namorada/esposa/etc também é amiga. Afinal, amigos amigos, negócios à parte. Confiar em alguém com quem se convive diariamente é complicado, isso dá poder demais à pessoa, é depositar demais em uma pessoa só. É que poucos caras percebem que um namoro/casamento só terá sucesso se a garota ao seu lado for sua melhor amiga. Que uma relação romântico-amorosa é como uma sociedade e cujos bens produzidos vão além dos patrimoniais. Está em jogo a decendência, está em jogo a qualidade de vida, está em jogo o bem-estar. Poucos caras conseguem aceitar que alguém possa ter tanta importância na sua vida.

Poucos caras sabem o que estão procurando. Poucos caras percebem o que têm perto. Poucos caras estabelecem o que é realmente importante em uma garota. E é por isso que tão poucos caras podem se declarar completamente felizes com a garota que têm ao seu lado. É por isso que poucos caras consegum se manter fiéis. É por isso que poucos caras conseguem engatar um relacionamento realmente sério.

Parabéns a esses poucos caras, que daqui a dois dias, poderão comemorar de verdade o Dia dos Namorados. Não porque não estão sozinhos. Mas porque estão com a pessoa certa.

domingo, 27 de maio de 2012

Sobre Cruzes na Estrada

Hoje eu falo de um túmulo no cemitério na saída da cidade. Hoje eu falo enquanto ainda posso, porque logo não terão sobrado ligamentos que permitam que meus dedos se movam e eu digite. Hoje eu falo de uma cruz na estrada, em uma curva quase exatamente na metade do caminho entre Crixás e Santa Terezinha. Há mais uma ou umas cruzes ao meu lado, não sei ver. Ou talvez eu esteja sozinha. De qualquer forma, hoje eu falo como alguém que morreu. Ou devia ter morrido.

Aos dezoito anos eu capotei um carro. Irresponsabilidade, dentro da cidade, correndo o dobro da velocidade permitida, todos sem cinto. Foi um susto e tanto. Mas esse era o tipo de acidente que poderia ter sido evitado não fosse aquela síndrome de Superman que eu tinha na época. Aos vinte e quatro anos, eu capotei outro carro. Ninguém no carro bebe. Não estávamos correndo. Três dos quatro integrantes de cinto, e o quarto só não estava por teimosia, porque foi avisado assim que saímos de Santa Terezinha (cidade a 33km de Crixás, onde moro). Era só um tamanduá bandeira gigante ocupando toda a pista da direita em uma curva fechada à uma da manhã.

Muitos vão achar que eu estou me justificando, mas o acidente na madrugada de sexta para sábado último, não foi um acidente qualquer. Não era aquele que você poderia evitar. Em uma velocidade média entre setenta e oitenta km/h, com a força centrífuga nos mantendo dentro da nossa pista para fazer a curva, nenhuma opção nos salvava. O tamanduá, enorme e pesado apareceu no nosso raio de visão segundos antes da possível colisão. A maioria das pessoas disse que teria passado por cima. Eu calculo que se tivéssemos batido sem freiar, provavelmente meu namorado e eu -  que estávamos na frente -  teríamos entrado dentro do motor, devido a velocidade e o peso do tamanduá. Pisando no freio e batendo, provavelmente teríamos capotado de frente, porque não dava tempo de reduzir a velocidade o suficiente. O instinto foi desviar. Não parecia que era grave, sabe? Um desvio, voltamos à pisa da direita e ok, vamos pra casa. Mas não. Não vamos pra casa agora porque o carro está sem controle e nós estamos voltando pra pista da esquerda. Eu já sabia o que ia acontecer. Eu não orei a Deus como fiz seis anos atrás pedindo pra impedir. Eu sabia, eu sabia que não havia volta. "Pai, protege-nos." foi tudo o que pensei antes do carro voltar a se jogar pra direita e eu ver os faróis iluminando o barranco tomado pelo capim alto.

Todos gritavam. Meu namorado e minha cunhada foram os primeiros a sair do carro. Em seguida, tiraram o Rodrigo (Japa), e quando meu namorado viu o sangue que jorrava na cabeça do amigo, desesperou-se. Eu estava presa pelo cinto, o carro de cabeça pra baixo e uma dor indescritível na minha coluna , do lado esquerdo, me atrapalhava respirar. Ao contrário da outra vez, eu não gritei. Eu não me desesperei. Eu sabia que as três pessoas comigo estavam vivas e conscientes. E sabia que estavam inteiras na medida do possível, porque conseguiram engatinhar pelos vidros traseiros e saírem do carro. Então, eu queria dormir. Eu queria ficar ali, presa pelo cinto, de cabeça pra baixo e dormir até que o socorro chegasse. Até que me anestesiassem de tal forma que eu só acordasse quando estivesse tudo bem. E então eu ouço meu namorado gritando, pedindo pra eu falar com ele. Todos gritavam, menos eu. Todos saíram do carro, menos eu. Por alguns segundos, eles puderam pensar que eu estava inconsciente ou morta. E então eu soltei o cinto e saí. Não por mim, mas porque eu sei exatamente qual é a sensação de pensar que alguém que agora a pouco estava conversando com você pode estar morto.

Mal saí do carro e já havia ajuda. Carros de amigos e conhecidos que saíram de Santa Terezinha pouco depois de nós. Fui deitada no banco traseiro de um dos carros e o Japa, que teve dois cortes enormes no couro cabeludo, foi no banco da frente com a camisa do meu namorado pra estancar o sangue. Éramos os mais feridos. Minha cunhada, ainda em recuperação de uma queda de moto, sentia dor na perna. Meu namorado só sentia desespero. Acalmei-o e disse que daquela vez, ele teria que assumir o controle e resolver a situação sem mim, porque eu não tinha condições de ficar. Dei algumas pequenas ordens, pessoas a quem ligar - minha amiga enfermeira pra que ela já me esperasse no hospital -, coisas a se fazer - sinalizar o local do acidente porque estávamos em uma curva e a situação poderia ser ainda pior se alguém viesse desavisado e então me permitir sentir minha dor. Em uma velocidade propícia para um acidente ainda pior, logo estávamos no hospital.

Medicados, Japa e eu fazíamos piada. Cantávamos o Tchu Tcha Tcha. Ele reclamava do cabelo dele. Eu reclamava da minha roupa. Tudo pra não se deixar enlouquecer, tudo pra não pensar que talvez pudéssemos nunca mais ouvir a voz um do outro. A dor diminuiu até se tornar suportável, mas ainda estava lá. Minha cunhada chegou em seguida. Minha amiga enfermeira ligou pros meus pais. Devagar, as coisas iam entrando em ordem. Meu pai foi pro local do acidente e apesar do jeito que ele me olha hoje, eu não me esqueço d'ele dizendo ao telefone pra minha mãe "Não sei o que fazer com a Gabriela. Cada acidente é pior que o anterior. Da próxima vez, vamos ter que recolher os pedaços dela no asfalto." Desculpa mãe. Desculpa pai.

Finalmente meu namorado chegou. A perna doía, mas era só. Vê-lo ali, inteiro, me desmontou. Ok, não preciso mais ser forte, estamos todos vivos, estamos todos bem. Finalmente chorei, senti raiva, culpei quem não tinha culpa. E então ele me acalmou e tudo o que eu queria era que ele ficasse comigo. Mas a SAMU havia chegado e mãe é mãe. Por mais que eu quisesse o Daniel comigo, era ela quem devia ir tomar conta da filha moribunda. O Japa já tinha sido encaminhado de ambulância para Ceres - centro médico mais próximo - e eu ia de SAMU por possíveis estragos na coluna.

Numa sucessão de dormir, acordar, ser trocada de lugar, tomar agulhadas e sentir dor, era de manhã e eu não tinha nada grave. O Japa também não. Podíamos voltar pra Crixás, lamber as feridas, recolher os cacos e recomeçar. Quando fui tomar um banho, tomei noção da proporção dos machucados que eu havia negligenciado pela dor na coluna - agora bem leve. Dois buracos, um no punho e outro no joelho direito. A carne amassada, suja, estragada. A pancada na cabeça que eu não sentira por causa do anestésico. O lado esquerdo do rosto inchado e roxo pelo murro invisível. O cabelo arrebentado caindo aos montes dando a impressão de que eu iria ficar careca de um dos lados da cabeça. E então veio a vertigem, o desmaio e eu estava sentada no chão do banheiro tentando vomitar algo que não havia no meu estômago. Foi preciso muita força de vontade pra eu conseguir ficar de pé, me enxaguar e voltar pra maca.

Mamãe penteava meus cabelos, cada vez mais horrorizada com os montes que saíam. Uma enfermeira idosa e gentil cuidava dos meus ferimentos. Comi pão e tomei essas águas vitaminadas sabor limão. Chorei. Finalmente senti medo, pavor, pânico. Mas vamos lá, Gabrela, você precisa ser forte. Logo eu estava a caminho de casa, mais dormindo que acordada. Amigos, cunhada, namorado... Todos vieram me ver ou ligaram. Ainda estou nesse processo de ligações e visitas.

Hoje acordei melhor. A dor já não é tão forte, mas meu braço e meu joelho me dão nojo. Já sou quase o que sou normalmente. Já faço piada do estrago a maior parte do tempo. Mas ainda sinto tontura quando me levanto ou quando apoio o lado esquerdo do rosto no travesseiro. Ainda perco um pouco a noção do tempo ou do espaço por alguns segundos. Mas é segredo. Eu estou bem, serião.

Como resultados, Japa levou cortes que sangraram muito, mas nada mais grave em relação a traumatismos. Minha cunhada voltou a sentir dores na perna que estava em recuperação e está dolorida em outras áreas do corpo. Meu namorado sente algumas dores generalizadas. Eu me estrepei. Amassei a lataria do lado esquerdo e rasguei a do lado direito. Meu carro deu perda total e eu não tinha segurado ele ainda. Uma recompensa pelo couro do tamanduá ronda  cidade. Tudo vai voltando ao normal, na hora certa.

Mas eu estou falando do túmulo. Estou falando de uma cruz na estrada, sinalizando a minha morte em um acidente. Eu estou falando de onde eu devia estar.

Não sei quem chegou até aqui e sabe que sou evangélica. Que eu cresci e fui educada na Igreja Cristã Maranata durante toda minha infância e pré-adolescência e que depois de anos afastada, decidi voltar, há alguns meses. Que aquele vazio que eu sentia e que tanto já foi citado em textos nesse blog, finalmente foi preenchido. O filho pródigo à casa torna. Respeito a fé e a falta de fé de cada um aqui, então peço a todos o direito de reivindicar o fato de eu não ser uma cruz na estrada porque Deus colocou sua mão sobre mim e sobre todos os que estavam naquele carro.

"Laço de morte" é uma expressão muito usada nas igrejas evangélicas para dizer quando estamos correndo sério risco de vida. E havia um laço de morte ali. Não sei se pra mim, se pro meu namorado, pra minha cunhada ou pro meu amigo. Ou se pra todos nós. Mas naquela madrugada, pelo menos um de nós iria virar presunto. Eu, que voltei recentemente à igreja, ainda sinto as dúvidas que minha racionalidade criam. Andei fraquejando na última semana, pensando se tanto esforço valia a pena por algo que só se sabe que existe através da fé. Meu namorado, nascido e criado na igreja evangélica, em período de prova - afastado da Santa Ceia e impedido de tocar nos cultos por ter brigado na rua - e também pensando muitas vezes se tudo isso valia a pena. Minha cunhada, com dúvidas, tentando pesar seus valores. Não posso falar pelo Japa, mas todos nós ali estamos naquela fase da vida onde sacrificar boemia, baladas, sexo, farras, bebedeiras e etc pode parecer um péssimo negócio quando a única coisa que nos impede é uma força superior que só existe se você acreditar.

Era um ótimo momento para morrermos. Se nossa fé for verdadeira, tínhamos sérias chances de perder nosso lugar no céu. Só que igualmente, se nossa fé for verdadeira, Deus ainda não está pronto pra abrir mão de nós. O carro acabou. Mas nós, apesar das feridas, estamos aqui, provas vivas de que a proteção de Deus é maior do que a lei da gravidade. Acredite quem quiser, no que quiser. Eu só sei que senti a mão de Deus me segurando todo esse tempo e só tenho a agradecer a Ele por mais uma chance. Se alguém acha que passar pelo que eu passei ia balançar minha crença, errou. Só fortaleceu. As dúvidas se foram. Mais do que nunca, eu quero estar na presença de Deus, eu quero seguir os princípios cristãos. Vivi anos na liberdade do mundo e nunca fui completamente feliz. Vivi meses na presença de Deus e mesmo imobilizada e com dores, mesmo tendo perdido meu carro, eu me sentia imensamente grata e feliz. Porque podem me tirar os anéis, mas meus dedos estão todos aqui.

Eu sei, pra grande maioria é um choque esse testemunho de fé meu. Pra alguns, um absurdo. A maioria dos meus amigos desprezam esse meu retorno ao cristianismo. Vindo de mim, soa quase como piada. Mas Deus não aje conforme nosso conhecimento, não cabe a mim explicar ou interpretar suas ações. Eu me resigno, agradeço, amo. Quem veio até aqui pra saber o que aconteceu comigo, pode parar alguns parágrafos acima. Mas quem veio até aqui tentando entender como eu estou lidando com um dos momentos mais difíceis da minha vida, fica a resposta: Eu senti o amor de Deus me protegendo. Eu sei que tem aqueles que dizem "se Deus te amasse, ele não deixaria o acidente acontecer ou vocês terem se machucado". E sei que aqueles que terão explicações científicas pra justificar porque não estamos mortos.

Mas eu falo de um túmulo. Eu falo de uma cruz na estrada. Eu falo de uma morte que deveria ter me atingido e foi aparada pela mão d'Aquele que é maior até mesmo que ela. Eu falo com a consciência de quem sabe que não deveria estar aqui pela lógica. Eu falo com a consciência de quem sabe que só está aqui por amor. E por um amor que ninguém mais pode me dar além d'Ele.

A quem tem fé, mantenha. Se quiser e puder, ore e agradeça esse livramento, ore e agradeça por estar na presença de Deus, ore e agradeça por continuar resistindo. A quem não tem, reveja seus conceitos. E se isso não vier a calhar, obrigada mesmo assim pela preocupação ou pelo menos, pela curiosidade. Eu estou viva, eu estou bem e as cicatrizes são só marcas que mostram que mesmo sendo vulneravelmente humana, uma serva do Senhor possui um escudo que nem a morte pode tocar.

Fiquem em paz.