terça-feira, 28 de agosto de 2012

Sobre Eleições


Olha, período eleitoral me deprime. Principalmente porque meu pai é candidato a vereador e isso quer dizer que tenho que manter minhas opiniões devidamente guardadas porque estarei sempre sob a possibilidade de ser chamada de parcial ou ainda pior, posso entrar em um conflito familiar sem precedentes.

É difícil ser uma pessoa analítica e com bom senso. E não, não vou me fingir modesta. Me considero mais inteligente que a maioria das pessoas e francamente? A cada dia que passa essa certeza se confirma. Diante do embate político municipal é NOTÓRIO ver como as pessoas são INCAPAZES de pensar na coletividade, analisar criticamente as propostas e a viabilidade das mesmas, observar o currículo dos candidatos e principalmente, ler as intenções por trás dos principais cabos eleitorais.

Pra começar, a verticalização - em resumo, a verticalização obriga as coligações partidárias feitas a nível nacional serem estritamente repetidas em nível estadual e municipal - foi vetada. Isso quer dizer que não estamos nos Estados Unidos nos dividindo entre republicanos e democratas. Estamos numa zona de partidos que em certos locais são aliados e em outros, inimigos mortais. Não existe partidarismo, não existe bandeira, não existe ideal. Só existe interesse, é tão difícil assim de visualizar?

Em segundo de lugar, convido a todos os curiosos a analisarem os últimos administradores públicos nacionais, estaduais e municipais. E é óbvio que vocês vão reparar que geralmente, dois grupos se revezam no poder. Raras vezes há o surgimento de uma nova liderança. Quem está na máquina pública a usa em seu favor nas campanhas. Quem está fora, mas já esteve lá dentro, usa as falhas da atual adminitração e aproveitam a memória curta do brasileiro pra ocultar as falhas da administração deles, fazendo com que os facilmente iludíveis lembrem-se apenas das "coisas boas", que vêm fantasiadas e maquiadas de tal forma que faz os mais igênuos pensar "mas gente, como nós deixamos esse cara sair do poder?";

Em terceiro lugar, principalmente nas cidades com menor população, política se assemelha muito a futebol. Fora as pessoas que apoiam um grupo para manter seus empregos e interesses, há aqueles que não tem nada a ganhar ou a perder - e que assim, têm ainda mais liberdade para escolher com sensatez - que simplesmente escolhem um lado e torcem como se fosse um jogo de futebol. Gritam, fazem barulho, xingam o juiz (nesse caso, o eleitoral) se ele "favorece" o outro lado, aplaudem se ele "favorece" o lado deles, formam torcidas organizadas, ofendem o adversário, fazem gritos de guerra cheios de difamação e até mesmo partem para as vias de fato. Política não é paixão, minha gente! É claro que envolve ideais e expectativas, mas pelo amor de Deus, envolve principalmente o nosso futuro. A nível municipal então, são coisas que vão nos afetar diretamente e de forma muito mais imediata. Dá pra parar de votar nas pessoas ou no partido, e sim votar nas propostas e principalmente, na capacidade deles de as tornarem reais?

A liberdade de expressão fortaleceu-se muito com as redes sociais. E daí eu vejo um monte de pessoas que não sabe sequer escrever corretamente achando-se os donos da verdade, trocando provocações e obviamente, se atendo aos ataques pessoais porque são INCAPAZES de discutir ideias. Sou contra, falo mesmo. Acho que pra se entrar em um debate, no mínimo, a pessoa deve saber ler e escrever conforme as regras ortográficas básicas. E acho que para votar, a pessoa deveria conhecer um mínimo de política. E é claro que isso não é nenhum pouco conveniente, afinal, o "povo gado" é a maioria e se a maioria começar a criar consciência própria ao invés de caminhar na consciência coletiva, isso colocaria em risco o atual sistema político brasileiro. Não convém. Manter uma população de quase duzentos milhões alienada é muito mais fácil do que ter duzentos milhões de pessoas que pensam. Um perigo esse negócio de pensar, gente.

O melhor de tudo é ver pessoas a falsa neutralidade dos mais esclarecidos. Se um partidário adversário fala alguma besteira, é crucificado. Mas se é um aliado, é aplaudido por sua iniciativa de estar lutando. Estão sempre mordendo e assoprando, afinal, vivemos a realidade hipócrita do - vejam só a palavra - politicamente correto. Politicamente. Hahahaha.

Às vezes eu entendo a ditadura. É claro que é complicado esse negócio de cerceamento de liberdade para a nova geração, mas eu consigo sentir o peso que é ser governada por uma maioria esmagadora de políticos incompetentes, sabendo que a minoria que pensa jamais conseguirá superar a maioria ignorante. E antes de ser chamada de preconceituosa, ignorante não é quem estudou pouco. Ignorante é aquele que foi alienado e manipulado a tal ponto, que não consegue mais chegar a conclusões por conta própria. E antes de ser chamada de "classe burguesa opressora" quero dizer MEU CU DE BOLINHA. Programas de assistencialismo não fazem de um governo um governo solidário e preocupado e sim, um governo esperto o suficiente para fazer o mínimo possível pela sua população e assim, mantê-los dependentes. Afinal, pra que estimular a independência intelectual e financeira? Quem garante que uma vez fora da Matrix, haverá gratidão por aqueles que ofereceram a pílula?

Eu despenderia horas e horas nessa revolta minha ainda, mas tenho que trabalhar amanhã e graças a Deus, não dependo de política pra manter meu emprego. Porque se dependesse, a publicação desse texto comprometeria minha segurança financeira. Entendem agora como é fácil controlar um eleitor? Somos animais, meus queridos. Coloque-nos entre a sobrevivência e nossos ideais e vocês já sabem muito bem o resultado.

Não tenho esperança de que tudo o que eu disse aqui possa servir de algo, além de um desabafo. Mas ainda na esperança, se eu pudesse dar um conselho, abandonem a ideia do "melhor que nada". Oferecer qualidade de vida é uma obrigação constitucional do governo. Não se conformem. Exijam o máximo que puderem.

Eleitor, você é o cliente. E porra, o cliente tem sempre razão.

domingo, 10 de junho de 2012

Sobre Poucos Caras

(Não ficou a melhor coisa do mundo - acho que tô passado tempo demais sem escrever - mas vale a intenção. Post dedicado a todas as garotas incríveis que eu conheço mas que só poucos caras foram sábios o suficente pra perceber isso).

Poucos caras sabem dar valor a uma garota que é capaz de mudar. A maioria quer alguém que venha imaculdada de fábrica, esquecendo o valor que os erros e acertos adicionam à uma garota que viveu de verdade, esquecendo que com esse tipo de garota,  ser legal, ter caráter e se esforçar pra ser uma companheira bacana é uma opção de quem conheceu as possibilidades que o mundo oferece e não a falta de opção de alguém alienada e alheia à realidade do mundo ao seu redor. É que poucos caras estão preparados pra lidar com uma garota que tenha o poder de escolha e se assustam até mesmo quando elas decidem escolher eles.

Poucos caras sabem dar valor a uma garota independente. Essas meninas que trabalham, que ganham sua própria grana, que pagam suas contas, que adquirem seus próprios carros, roupas, sapatos e mimos por conta própria e que dividem a conta - e até pagam sozinhas se a sitação demandar isso - são assustadoras. Em que mundo estamos? Cadê o poder masculino? Cadê o direito do homem exercer seu papel de provedor e garantir sua segurança como chefe de família? É que poucos caras estão preparados pra entender que uma mulher independente não está concorrendo com ele. Ela trabalha porque gosta, porque quer, pra ajudar. Mas isso não a torna menos feminina. Ela não se importa que o homem seja o cabeça, mas está pronta pra ajudá-lo, apoiá-lo, aconselhá-lo e instruí-lo se for preciso. É que poucos caras conseguem ver que não é o status financeiro que vai definir a relação entre um homem e uma mulher e sim como eles lidam com isso.

Poucos caras sabem dar valor à garota bonita e comum, preferindo sempre a cobiçada gostosa ou a princezinha inalcançável. Essas moças comuns, que tem o sorriso bonito e talvez o nariz meio achatado, que tem olhos encantadores e alguns quilinhos a mais, não são um troféu digno de nota. É preciso ter um avião ou uma jóia cobiçada, uma prova da sua masculinidade, de preferência com uma faixa: "Todos querem me comer, mas eu decidi dar só pra esse aqui". É que poucos caras se lembram que a convivência faz com que você se acostume até com a mulher mais gostosa do mundo a ponto de torná-la comum. Eles não refletem que a beleza vai embora com o tempo - tanto a das mulheres quanto a dos homens - e que vai ser a forma como ela ri, o jeito como ela te abraça quando você está triste ou cansado, a capacidade dela de respeitar os momentos em que você precisa de silêncio ou o olhar amoroso que ela é capaz de te dedicar todos os dias é o que vai torna-la bela ao seus olhos quando ambos já tiverem rugas, cabelos brancos e idade avançada.

Poucos caras sabem dar valor a uma garota inteligente. Esse negócio de ser contestado, de ouvir "você está errado", de ser obrigado a aceitar que sua decisão não foi acertada, de ter que conviver com o destaque de uma mulher em uma conversa eventual, de ter aquele errinho de português corrigido é muito aborrecido. É que poucos caras conseguem enxergar que há vários tipos de inteligências e sabedorias, e que uma mulher que acrescenta uma - ou umas - dessas inteligências e sabedorias à relação, está somando essas características a eles próprios. Poucos caras sabem enxergar um casal como uno, como duas pessoas diferentes que por opção estão juntos e que passam a ser enxergados como um só na maior parte do tempo. Poucos caras sabem reconhecer que alguém lhe possa ser complementar.

Poucos caras sabem dar valor a uma garota forte. Garotas histéricas, inseguras, instáveis, possesivas e mimadas são mais fáceis de controlar. Essas meninas que conseguem abrir a garrafa de refrigerante sozinhas, que conseguem manter a calma durante as crises ou que lidam com maturidade quando surgem as adversidades são opressoras. É que poucos caras conseguem admitir que também têm medo, que também têm dúvidas. É muito difícil aceitar que o porto seguro muitas vezes é exatamente alguém do sexo tido como frágil.

Poucos caras sabem dar valor à garota que além de namorada/esposa/etc também é amiga. Afinal, amigos amigos, negócios à parte. Confiar em alguém com quem se convive diariamente é complicado, isso dá poder demais à pessoa, é depositar demais em uma pessoa só. É que poucos caras percebem que um namoro/casamento só terá sucesso se a garota ao seu lado for sua melhor amiga. Que uma relação romântico-amorosa é como uma sociedade e cujos bens produzidos vão além dos patrimoniais. Está em jogo a decendência, está em jogo a qualidade de vida, está em jogo o bem-estar. Poucos caras conseguem aceitar que alguém possa ter tanta importância na sua vida.

Poucos caras sabem o que estão procurando. Poucos caras percebem o que têm perto. Poucos caras estabelecem o que é realmente importante em uma garota. E é por isso que tão poucos caras podem se declarar completamente felizes com a garota que têm ao seu lado. É por isso que poucos caras consegum se manter fiéis. É por isso que poucos caras conseguem engatar um relacionamento realmente sério.

Parabéns a esses poucos caras, que daqui a dois dias, poderão comemorar de verdade o Dia dos Namorados. Não porque não estão sozinhos. Mas porque estão com a pessoa certa.

domingo, 27 de maio de 2012

Sobre Cruzes na Estrada

Hoje eu falo de um túmulo no cemitério na saída da cidade. Hoje eu falo enquanto ainda posso, porque logo não terão sobrado ligamentos que permitam que meus dedos se movam e eu digite. Hoje eu falo de uma cruz na estrada, em uma curva quase exatamente na metade do caminho entre Crixás e Santa Terezinha. Há mais uma ou umas cruzes ao meu lado, não sei ver. Ou talvez eu esteja sozinha. De qualquer forma, hoje eu falo como alguém que morreu. Ou devia ter morrido.

Aos dezoito anos eu capotei um carro. Irresponsabilidade, dentro da cidade, correndo o dobro da velocidade permitida, todos sem cinto. Foi um susto e tanto. Mas esse era o tipo de acidente que poderia ter sido evitado não fosse aquela síndrome de Superman que eu tinha na época. Aos vinte e quatro anos, eu capotei outro carro. Ninguém no carro bebe. Não estávamos correndo. Três dos quatro integrantes de cinto, e o quarto só não estava por teimosia, porque foi avisado assim que saímos de Santa Terezinha (cidade a 33km de Crixás, onde moro). Era só um tamanduá bandeira gigante ocupando toda a pista da direita em uma curva fechada à uma da manhã.

Muitos vão achar que eu estou me justificando, mas o acidente na madrugada de sexta para sábado último, não foi um acidente qualquer. Não era aquele que você poderia evitar. Em uma velocidade média entre setenta e oitenta km/h, com a força centrífuga nos mantendo dentro da nossa pista para fazer a curva, nenhuma opção nos salvava. O tamanduá, enorme e pesado apareceu no nosso raio de visão segundos antes da possível colisão. A maioria das pessoas disse que teria passado por cima. Eu calculo que se tivéssemos batido sem freiar, provavelmente meu namorado e eu -  que estávamos na frente -  teríamos entrado dentro do motor, devido a velocidade e o peso do tamanduá. Pisando no freio e batendo, provavelmente teríamos capotado de frente, porque não dava tempo de reduzir a velocidade o suficiente. O instinto foi desviar. Não parecia que era grave, sabe? Um desvio, voltamos à pisa da direita e ok, vamos pra casa. Mas não. Não vamos pra casa agora porque o carro está sem controle e nós estamos voltando pra pista da esquerda. Eu já sabia o que ia acontecer. Eu não orei a Deus como fiz seis anos atrás pedindo pra impedir. Eu sabia, eu sabia que não havia volta. "Pai, protege-nos." foi tudo o que pensei antes do carro voltar a se jogar pra direita e eu ver os faróis iluminando o barranco tomado pelo capim alto.

Todos gritavam. Meu namorado e minha cunhada foram os primeiros a sair do carro. Em seguida, tiraram o Rodrigo (Japa), e quando meu namorado viu o sangue que jorrava na cabeça do amigo, desesperou-se. Eu estava presa pelo cinto, o carro de cabeça pra baixo e uma dor indescritível na minha coluna , do lado esquerdo, me atrapalhava respirar. Ao contrário da outra vez, eu não gritei. Eu não me desesperei. Eu sabia que as três pessoas comigo estavam vivas e conscientes. E sabia que estavam inteiras na medida do possível, porque conseguiram engatinhar pelos vidros traseiros e saírem do carro. Então, eu queria dormir. Eu queria ficar ali, presa pelo cinto, de cabeça pra baixo e dormir até que o socorro chegasse. Até que me anestesiassem de tal forma que eu só acordasse quando estivesse tudo bem. E então eu ouço meu namorado gritando, pedindo pra eu falar com ele. Todos gritavam, menos eu. Todos saíram do carro, menos eu. Por alguns segundos, eles puderam pensar que eu estava inconsciente ou morta. E então eu soltei o cinto e saí. Não por mim, mas porque eu sei exatamente qual é a sensação de pensar que alguém que agora a pouco estava conversando com você pode estar morto.

Mal saí do carro e já havia ajuda. Carros de amigos e conhecidos que saíram de Santa Terezinha pouco depois de nós. Fui deitada no banco traseiro de um dos carros e o Japa, que teve dois cortes enormes no couro cabeludo, foi no banco da frente com a camisa do meu namorado pra estancar o sangue. Éramos os mais feridos. Minha cunhada, ainda em recuperação de uma queda de moto, sentia dor na perna. Meu namorado só sentia desespero. Acalmei-o e disse que daquela vez, ele teria que assumir o controle e resolver a situação sem mim, porque eu não tinha condições de ficar. Dei algumas pequenas ordens, pessoas a quem ligar - minha amiga enfermeira pra que ela já me esperasse no hospital -, coisas a se fazer - sinalizar o local do acidente porque estávamos em uma curva e a situação poderia ser ainda pior se alguém viesse desavisado e então me permitir sentir minha dor. Em uma velocidade propícia para um acidente ainda pior, logo estávamos no hospital.

Medicados, Japa e eu fazíamos piada. Cantávamos o Tchu Tcha Tcha. Ele reclamava do cabelo dele. Eu reclamava da minha roupa. Tudo pra não se deixar enlouquecer, tudo pra não pensar que talvez pudéssemos nunca mais ouvir a voz um do outro. A dor diminuiu até se tornar suportável, mas ainda estava lá. Minha cunhada chegou em seguida. Minha amiga enfermeira ligou pros meus pais. Devagar, as coisas iam entrando em ordem. Meu pai foi pro local do acidente e apesar do jeito que ele me olha hoje, eu não me esqueço d'ele dizendo ao telefone pra minha mãe "Não sei o que fazer com a Gabriela. Cada acidente é pior que o anterior. Da próxima vez, vamos ter que recolher os pedaços dela no asfalto." Desculpa mãe. Desculpa pai.

Finalmente meu namorado chegou. A perna doía, mas era só. Vê-lo ali, inteiro, me desmontou. Ok, não preciso mais ser forte, estamos todos vivos, estamos todos bem. Finalmente chorei, senti raiva, culpei quem não tinha culpa. E então ele me acalmou e tudo o que eu queria era que ele ficasse comigo. Mas a SAMU havia chegado e mãe é mãe. Por mais que eu quisesse o Daniel comigo, era ela quem devia ir tomar conta da filha moribunda. O Japa já tinha sido encaminhado de ambulância para Ceres - centro médico mais próximo - e eu ia de SAMU por possíveis estragos na coluna.

Numa sucessão de dormir, acordar, ser trocada de lugar, tomar agulhadas e sentir dor, era de manhã e eu não tinha nada grave. O Japa também não. Podíamos voltar pra Crixás, lamber as feridas, recolher os cacos e recomeçar. Quando fui tomar um banho, tomei noção da proporção dos machucados que eu havia negligenciado pela dor na coluna - agora bem leve. Dois buracos, um no punho e outro no joelho direito. A carne amassada, suja, estragada. A pancada na cabeça que eu não sentira por causa do anestésico. O lado esquerdo do rosto inchado e roxo pelo murro invisível. O cabelo arrebentado caindo aos montes dando a impressão de que eu iria ficar careca de um dos lados da cabeça. E então veio a vertigem, o desmaio e eu estava sentada no chão do banheiro tentando vomitar algo que não havia no meu estômago. Foi preciso muita força de vontade pra eu conseguir ficar de pé, me enxaguar e voltar pra maca.

Mamãe penteava meus cabelos, cada vez mais horrorizada com os montes que saíam. Uma enfermeira idosa e gentil cuidava dos meus ferimentos. Comi pão e tomei essas águas vitaminadas sabor limão. Chorei. Finalmente senti medo, pavor, pânico. Mas vamos lá, Gabrela, você precisa ser forte. Logo eu estava a caminho de casa, mais dormindo que acordada. Amigos, cunhada, namorado... Todos vieram me ver ou ligaram. Ainda estou nesse processo de ligações e visitas.

Hoje acordei melhor. A dor já não é tão forte, mas meu braço e meu joelho me dão nojo. Já sou quase o que sou normalmente. Já faço piada do estrago a maior parte do tempo. Mas ainda sinto tontura quando me levanto ou quando apoio o lado esquerdo do rosto no travesseiro. Ainda perco um pouco a noção do tempo ou do espaço por alguns segundos. Mas é segredo. Eu estou bem, serião.

Como resultados, Japa levou cortes que sangraram muito, mas nada mais grave em relação a traumatismos. Minha cunhada voltou a sentir dores na perna que estava em recuperação e está dolorida em outras áreas do corpo. Meu namorado sente algumas dores generalizadas. Eu me estrepei. Amassei a lataria do lado esquerdo e rasguei a do lado direito. Meu carro deu perda total e eu não tinha segurado ele ainda. Uma recompensa pelo couro do tamanduá ronda  cidade. Tudo vai voltando ao normal, na hora certa.

Mas eu estou falando do túmulo. Estou falando de uma cruz na estrada, sinalizando a minha morte em um acidente. Eu estou falando de onde eu devia estar.

Não sei quem chegou até aqui e sabe que sou evangélica. Que eu cresci e fui educada na Igreja Cristã Maranata durante toda minha infância e pré-adolescência e que depois de anos afastada, decidi voltar, há alguns meses. Que aquele vazio que eu sentia e que tanto já foi citado em textos nesse blog, finalmente foi preenchido. O filho pródigo à casa torna. Respeito a fé e a falta de fé de cada um aqui, então peço a todos o direito de reivindicar o fato de eu não ser uma cruz na estrada porque Deus colocou sua mão sobre mim e sobre todos os que estavam naquele carro.

"Laço de morte" é uma expressão muito usada nas igrejas evangélicas para dizer quando estamos correndo sério risco de vida. E havia um laço de morte ali. Não sei se pra mim, se pro meu namorado, pra minha cunhada ou pro meu amigo. Ou se pra todos nós. Mas naquela madrugada, pelo menos um de nós iria virar presunto. Eu, que voltei recentemente à igreja, ainda sinto as dúvidas que minha racionalidade criam. Andei fraquejando na última semana, pensando se tanto esforço valia a pena por algo que só se sabe que existe através da fé. Meu namorado, nascido e criado na igreja evangélica, em período de prova - afastado da Santa Ceia e impedido de tocar nos cultos por ter brigado na rua - e também pensando muitas vezes se tudo isso valia a pena. Minha cunhada, com dúvidas, tentando pesar seus valores. Não posso falar pelo Japa, mas todos nós ali estamos naquela fase da vida onde sacrificar boemia, baladas, sexo, farras, bebedeiras e etc pode parecer um péssimo negócio quando a única coisa que nos impede é uma força superior que só existe se você acreditar.

Era um ótimo momento para morrermos. Se nossa fé for verdadeira, tínhamos sérias chances de perder nosso lugar no céu. Só que igualmente, se nossa fé for verdadeira, Deus ainda não está pronto pra abrir mão de nós. O carro acabou. Mas nós, apesar das feridas, estamos aqui, provas vivas de que a proteção de Deus é maior do que a lei da gravidade. Acredite quem quiser, no que quiser. Eu só sei que senti a mão de Deus me segurando todo esse tempo e só tenho a agradecer a Ele por mais uma chance. Se alguém acha que passar pelo que eu passei ia balançar minha crença, errou. Só fortaleceu. As dúvidas se foram. Mais do que nunca, eu quero estar na presença de Deus, eu quero seguir os princípios cristãos. Vivi anos na liberdade do mundo e nunca fui completamente feliz. Vivi meses na presença de Deus e mesmo imobilizada e com dores, mesmo tendo perdido meu carro, eu me sentia imensamente grata e feliz. Porque podem me tirar os anéis, mas meus dedos estão todos aqui.

Eu sei, pra grande maioria é um choque esse testemunho de fé meu. Pra alguns, um absurdo. A maioria dos meus amigos desprezam esse meu retorno ao cristianismo. Vindo de mim, soa quase como piada. Mas Deus não aje conforme nosso conhecimento, não cabe a mim explicar ou interpretar suas ações. Eu me resigno, agradeço, amo. Quem veio até aqui pra saber o que aconteceu comigo, pode parar alguns parágrafos acima. Mas quem veio até aqui tentando entender como eu estou lidando com um dos momentos mais difíceis da minha vida, fica a resposta: Eu senti o amor de Deus me protegendo. Eu sei que tem aqueles que dizem "se Deus te amasse, ele não deixaria o acidente acontecer ou vocês terem se machucado". E sei que aqueles que terão explicações científicas pra justificar porque não estamos mortos.

Mas eu falo de um túmulo. Eu falo de uma cruz na estrada. Eu falo de uma morte que deveria ter me atingido e foi aparada pela mão d'Aquele que é maior até mesmo que ela. Eu falo com a consciência de quem sabe que não deveria estar aqui pela lógica. Eu falo com a consciência de quem sabe que só está aqui por amor. E por um amor que ninguém mais pode me dar além d'Ele.

A quem tem fé, mantenha. Se quiser e puder, ore e agradeça esse livramento, ore e agradeça por estar na presença de Deus, ore e agradeça por continuar resistindo. A quem não tem, reveja seus conceitos. E se isso não vier a calhar, obrigada mesmo assim pela preocupação ou pelo menos, pela curiosidade. Eu estou viva, eu estou bem e as cicatrizes são só marcas que mostram que mesmo sendo vulneravelmente humana, uma serva do Senhor possui um escudo que nem a morte pode tocar.

Fiquem em paz.



quinta-feira, 19 de abril de 2012

Sobre Escolhas e Caráter


É sexta, naquele momento em que o dia transita entre a tarde e a noite. Ela acorda e depois de refletir um pouco, decide que vai viajar. Vai até uma cidade relativamente próxima para ver o irmão, que se mudou há uma semana. A desculpa é que vai levar dinheiro pra ele – o que não deixa de ser verdade – mas no fundo mesmo ela queria era ir rever os amigos que fez no lugar, tomar banho na cachoeira lá perto e sair um pouco da rotina. Caprichosa, não fica satisfeita em ir sozinha e depois de pequenas chantagens emocionais, convence um amigo a acompanhá-la. Tudo parece caminhar para um fim de semana divertido. Só que não.

Há alguns dias ela vem deixando o amigo dirigir seu carro pra que ele pegue o hábito e nessa noite, ela decide que ele vai levar o carro até a primeira cidade que fica no caminho que vão percorrer. Não há muito perigo, não é uma estrada muito movimentada, ele até que está dirigindo bem. Quando estão quase chegando, somou-se o momento errado ao excesso de confiança do amigo. Um carro vindo na direção contrária fez com que o rapaz jogasse o carro muito para a direita, onde havia uma moto passando. Não deu outra. O retrovisor direito bateu nos motoqueiros e foi arrancado, derrubando os dois violentamente. 

Eles param o carro mais à frente. Alguns minutos de pânico entre os dois, ela passando para o volante e dando o retorno para dar assistência àqueles que por sua culpa, agora estavam bastante machucados. Mais gente parou para ajudar – inclusive o carro que estava vindo na direção contrária. Nenhum dos dois quer admitir que foram os culpados e sempre que alguém pergunta, permanecem calados. Ou o carro seria preso por estar sendo dirigido por uma pessoa sem carteira de habilitação ou ela teria a carteira provisória cancelada se admitisse que era ela quem estava ao volante.

Ainda assim, permanecem lá. Ajudam a dar socorro aos dois motoqueiros, onde um estava em pé e consciente e outro, deitado e com problemas pra respirar. Alguém ligou para a SAMU. Enquanto isso, eles e algumas outras pessoas permanecem. Ela senta-se perto do senhor que continua deitado e firma seu rosto pra que ele evite mexer o pescoço para o caso de alguma eventual fratura. Aos poucos ele recupera a consciência e ela vai tentando fazê-lo se distrair e rir, mas está preocupada. O senhor pergunta constantemente onde ele está e o que aconteceu, mesmo que ele tenha acabado de receber essas respostas. O amigo está sério. Há aquela sensação de desespero para que o socorro chegue logo e a responsabilidade já não esteja apenas nas mãos deles. 

Finalmente, a ambulância chega e os dois senhores são removidos para a cidade próxima. O amigo leva a moto e ela o carro, afinal, nenhum dos dois motoqueiros estavam em condições de pilotar. Deixam a moto em um posto na entrada da cidade onde seria seguro e seguem de carro para o hospital. O garoto diz que sente necessidade de contar que foram eles. Ela diz que não é uma necessidade e sim uma obrigação. Há uma pequena discussão. Ele só se sente na obrigação de contar por ser evangélico e por ter percebido que os acidentados também eram. Ela fica irritada e o condena, dizendo que eles podiam ser dois traficantes, mas são igualmente humanos e filhos de Deus, que eles estavam errados e que era uma questão de caráter assumir o erro que cometeram. Afastam-se. 

Ele entra na sala onde o médico avalia os dois e sai acompanhado pelo senhor menos machucado. Ela então entra na sala e pergunta ao senhor que se feriu mais como ele está. Diante do médico e do enfermeiro, admite a culpa e diz que vai deixar o celular com o porteiro para que eles ligassem se precisassem de algo. O amigo admitiu para o outro a culpa. Transtornados, seguem viagem. Depois de tudo, a relação entre os dois também está estremecida. A viagem é permeada por diálogos curtos e o que seria um excelente fim de semana se torna apenas um momento que ambos querem muito que acabe logo.

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Sábado à tarde o telefone dela toca. É a enteada do senhor que pilotava a moto. O medo toma conta da garota. Por mais adulta que seja, às vezes seu coração é de menina e toda aquela ansiedade, medo e culpa a dominam. A início, ela nega conhecer o fato e diz que provavelmente passaram o telefone errado para eles. Minutos depois, deitada em sua cama, ela percebe que estava agindo como uma covarde, justamente a característica que ela mais condenava em um ser humano. Assustou-se e tentou fugir da culpa, mas lembrou-se de que tinha caráter o suficiente para ser perseguida por aquela noite o resto de sua vida. Respirou fundo e retornou a ligação, falando com a esposa do senhor, pedindo desculpas e se colocando à disposição para arcar com as despesas causadas e ajudar no que for preciso.

Domingo de manhã, ela vai até a casa dos dois senhores. Ela teria que arcar com a medicação e com o conserto da moto, mas não é isso que a perturba. É doloroso para ela olhar para os dois senhores machucados e pensar que a culpa é sua. E é mais doloroso ainda porque eles a tratam muito bem. Não há condenação em seus olhos, ao contrário, há compreensão. Ela leva uma amiga enfermeira para avaliar a situação e fica mais aliviada quando ela diz que a dor é normal, devido a pancada, mas que não é nada mais grave. Ainda assim, garante à família que se não melhorar no tempo recomendado pelo médico e pela amiga, providenciará o encaminhamento deles para sua cidade natal, onde pode oferecer melhor assistência médica. Deixa já o dinheiro do medicamento e um adiantamento pelo conserto da moto, que ainda não foi avaliada. Despede-se e segue seu caminho.

No decorrer do tempo, ela vai informando ao amigo sobre a situação. Ele quer dividir as despesas e a culpa, mas ela não deixa. No seu coração, ela sabe que a culpa é dela, pois foi assumiu os riscos no momento em que deixou o amigo dirigir. Ela causou aquilo, direta ou indiretamente. E ela vai resolver. O problema é que parece que aquela situação afastou os dois. Um elefante na sala.


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Na segunda-feira, ela liga pra ter notícias do orçamento da moto. A família é tão boa que fazem orçamento em três oficinas diferentes para avaliar o melhor preço. No fim do dia eles passam o menor valor e ela transfere o dinheiro na hora. Liga pra confirmar o recebimento e no dia seguinte, liga para confirmar o saque. Ainda se sente culpada. Por mais que forneça o suporte financeiro, não pode curar instantaneamente aqueles que ela machucou. Pergunta sobre a saúde dos senhores, como estão se saindo. Tenta manter o bom humor e promete ir visitá-los no próximo fim de semana e levar alguns medicamentos analgésicos.

À noite, ela tem pesadelos.

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É quinta-feira, ela está no trabalho e um número desconhecido liga. É um irmão dos senhores nos quais ela bateu. O coração dispara e ela pensa que finalmente vai ser repreendida pelo que fez. Mas é o contrário. Ele liga pra agradecer. Agradecer sua responsabilidade, agradecer o apoio e agradecer principalmente a preocupação. Dar o suporte financeiro era inevitável, mas se preocupar de verdade com a pessoa não é algo que ela devia fazer e assim, ele agradece. Ela chora. Pede desculpas pelo que aconteceu e finalmente desabafa o quanto se sentia culpada. Ele diz que quem está no trânsito está sujeito a acidentes e que o importante era que ela cumprira seu papel como cidadã, mas principalmente como cristã. E então ele encerra dizendo que vai orar por ela e por sua família.

Ela vai até o banheiro e chora ainda mais. Durante todo esse tempo, se ela tivesse sido repreendida, ao menos não se sentiria tão culpada. Mas a compreensão às vezes é mais dolorosa do que a acusação. Percebe que está tão acostumada a conviver com a estupidez e o rancor, que a compaixão e a piedade chegam a machucar. Promete a si mesma que nunca mais vai pensar me fugir quando a situação parecer grave. Enxuga as lágrimas com uma toalha chamada caráter e então vai para o seu blog e escreve este texto para lembrá-la sempre que até mesmo quando se erra, Deus nos dá a chance de fazer a coisa certa.

Bom fim de semana, gente =)
E que vocês também tenham a chance de, se não puder consertar seus erros, ao menos fazer o melhor que pode para compensá-los.

domingo, 1 de abril de 2012

Sobre Auto-Estima


Muitas pessoas se espantam com a minha capacidade de ser franca. Não só ser franca nas minhas opiniões sobre as outras pessoas, mas principalmente, ser franca sobre mim. Não sei bem a origem disso, tenho a impressão que começou quando eu tive minha primeira crise depressiva, aos catorze anos. Minha recusa em ir a analistas – afinal, eu tinha entrado em depressão por confiar demais nas pessoas e me decepcionar, então não estava pronta pra tentar resolver meu problema justamente tendo que confiar em um estranho – fez com que eu criasse meus próprios mecanismos de defesa. Um deles – o principal – foi a auto-análise. Por mais que eu enrole por um tempo, mais cedo ou mais tarde, eu sento comigo mesma em um café parisiense num dia frio e digo “vamos conversar”.

Com o tempo, aprendi a compartilhar essas minhas conversas. Quando mais eu falo de um problema, mais próxima eu fico de solucioná-lo. Além do mais, sinto que é algo que posso fazer pelas pessoas. Se elas não conseguem expressar seus conflitos internos, talvez através da identificação com os meus, elas também possam chegar a alguma solução.

Hoje eu estou aqui pra falar sobre problemas com a minha auto-estima.

Como eu já disse ali em cima, aos catorze anos passei pela minha primeira crise depressiva. Decepcionei-me com aqueles que eu julgava meus amigos e porra, eu era uma adolescente! Imaginem a dimensão que isso tomou na minha vida. Com isso, eu já tive um forte golpe no meu ego. Eu me achava super legal e à prova de rejeições. A pancada foi tão forte que eu simplesmente me isolei. Não reagi com a minha explosividade típica. Chorei, guardei, me ressenti. E depois de passar por várias fases similares às do luto – afinal, alguma coisa tinha realmente morrido em mim – eu decidi que não iria deixar que pessoas que me trataram mal me transformassem em um deles. Mas com isso, acabei me tornando auto-suficiente demais. Decidi que não precisava de ninguém na minha vida, que iria ser uma ótima pessoa com todos e uma ótima amiga a quem precisasse, mas que não confiaria em ninguém. Que eu seria uma boa amiga, mas que não iria querer ninguém como amigo.

Junto com esse problema psicológico, veio o fato de eu ter sido sempre gorda. Não estar dentro dos padrões estéticos criou outra barreira de auto-proteção. Eu me achava horrorosa e por justa causa, não acreditava que as pessoas pudessem ter outra visão que não essa. Nunca soube lidar com elogios físicos, pra mim soavam sempre falsos ou com segundas intenções. Inteligente, companheira, leal... Tudo bem. Bonita, sorriso cativante, olhos expressivos... Eu já entrava em estado de alerta, dava um sorrisinho amarelo e escapava.

Aos dezesseis eu fui aprovada para Direito na UFG, o segundo curso mais disputado na época. Isso elevou minha moral. Eu podia não ser bonita e podia não confiar nas pessoas, mas agora eu provava que era inteligente e capaz. Só que com o tempo eu percebi que aquilo não era nada do que eu queria e o  angu desandou de novo.

Por anos, me arrastei em um limbo. A única coisa que me mantinha em pé era um altruísmo destrutivo. Uma espécie de obrigação em fazer bem as pessoas na expectativa de que um dia eu encontrasse alguém disposto a fazer o mesmo por mim. Nesse meio-tempo, abandonei a faculdade por falta de afinidade com a área, vagueei entre ficar completamente à toa e trabalhos em órgãos públicos, me descuidei completamente de mim mesma e existi. Minha única conquista – o vestibular – a essa altura já não me valia de nada porque não concluí o curso, e eu era só mais uma garota de futuro brilhante que decepcionou a todos, inclusive a mim mesma.

Ano passado eu voltei pra casa. Fracassada, obesa e sem nenhuma perspectiva de vida. Não vou entrar em detalhes – porque já falei sobre isso em outros posts – mas em menos de um ano, dei uma reviravolta na minha vida. Comecei uma nova faculdade que eu gostava, passei em um concurso público federal para cargo efetivo, comprei meu carro, emagreci quinze quilos, fiz novos amigos, passei a ser menos racional e mais emocional, me entreguei mais aos meus relacionamentos – pessoais, amorosos, amizades, etc. E então eu fui de um extremo ao outro.

Deslumbrada, comecei a tentar aproveitar tudo o que eu não tinha aproveitado. Eu tinha conquistado tudo o que almejava com tanta facilidade! Passou a chover homem me elogiando, me cantando, flertando comigo. Passou a brotar gente querendo sair comigo, me chamando pra festas, fazendo questão da minha companhia. Passei a ser reconhecida no meu trabalho, me tornei útil. Entrei num país mágico que me parecia inacessível até pouco tempo antes, eu era considerada linda e querida. Tornei-me fútil, egocêntrica, descontrolada. Não dizia não a nenhuma balada, não dizia não a nenhuma pessoa. “O melhor momento da minha vida” eu disse várias vezes. E não, não era.

Depois de meses nessa vida, eu comecei a sentir um vazio imenso dentro de mim. E de repente me toquei que eu não tinha nenhuma perspectiva, nenhum objetivo. Tudo o que eu tinha desejado tinha acontecido e então eu parei, não fiz mais nenhum plano. Deixei a faculdade em segundo plano, não fiz nenhum projeto de vida e percebi que não conseguia me visualizar daqui a cinco anos. Na verdade, não consigo me visualizar daqui a um ano, sequer. Eu não sei quem eu sou, quem eu quero ser, onde eu quero chegar. Tornei-me uma casca vazia. Vivendo o dia de hoje sem pensar no amanhã. Uma pessoa sem sonhos, sem metas. Eu me tornei exatamente o tipo de pessoa que eu tinha prometido não me tornar lá atrás, quando tudo começou.

Confusa, passei essas últimas semanas refletindo sem encontrar uma solução. Até que falei com uma amiga, Marina Bonafé, essa noite. Por favor, não quero que nenhuma das minhas outras amigas sintam ciúmes aqui, mas abri o jogo com ela porque eu tinha certeza que de todas as pessoas com quem convivo, ela era a única que iria conseguir me entender. Não sei se é porque a gente é muito parecida, só sei que quando eu não consigo enxergar o que está acontecendo comigo, ela vê com uma facilidade assustadora.

Ela não falhou e deixou bem claro que a impressão que eu tinha dado a ela era a de que meu psicológico/emocional não acompanhou minhas mudanças físicas. Minha auto-estima, minha autoconfiança, meu amor próprio... Nada tinha acompanhado as mudanças externas na minha vida. Por fora, uma Gabriela bonita, bem vestida, confiante, bem sucedida, bem acompanhada... Por dentro, uma Gabriela insegura, desconfiada e francamente decepcionada com o rumo que estava dando à minha vida. Entrei em choque comigo mesma. Foi tudo tão rápido que eu não consegui administrar.

Posso dizer agora, com toda a sinceridade, que me olho no espelho e continuo me achando feia. Posso dizer agora que continuo me esforçando pelas pessoas, mas não acho que elas possam oferecer nada a mim. Posso dizer que continuo achando que pro meu potencial, eu sou um completo fracasso. E posso dizer que acho que estou errada. Que há um meio termo. Que não sou linda, mas também não sou horrorosa. Que o mundo está cheio de pessoas falsas mas que eu também tenho pessoas incríveis perto de mim. Que eu posso não ter chegado no máximo do meu potencial, mas que também não deixo a desejar.

Descobri que ainda não vivi nem o melhor, nem o pior momento da minha vida. Que nunca fui completamente feliz ou infeliz. E que talvez isso não exista, que os extremos não sirvam de nada.

É preciso achar o meio-termo.

Nesse momento, estou trabalhando pra definir minhas prioridades. Sem influências sociais e sem cobranças exageradas de mim mesma. E resolvi escrever esse texto pra que eu possa lê-lo se me perder de novo. Pra que as pessoas encontrem alguma coisa em comum comigo. Pra me lembrar de quais são meus valores. Lembrar-me que passei a me cuidar não pra ter um monte de homens me querendo, mas pra EU me querer mais. Lembrar-me que eu não devo estudar e trabalhar pra mostrar algo às pessoas, e sim pra me realizar, pra encontrar motivação pra preencher minha vida. Lembrar-me que estou rodeada de pessoas e que eu sou um delas. Que eu também erro, que eu também acerto e que no final, o que importa mesmo é quem vale a pena vai continuar ali pra mim, por pior que as coisas possam ter sido entre nós algum dia.

Parei de enxergar o “não sei” como motivo pra me desesperar e sim como uma nova chance de fazer novas escolhas. E desejo a todos que perderam seu norte, que encontrem um lugar onde não haja ondas magnéticas e que suas bússolas voltem a funcionar.

Ainda não sei a caminho de que estou. Mas gente, o importante é que eu voltei a andar. Quero aprender a dizer não e sim na hora certa e não ficar presa a apenas a uma dessas respostas.

E é isso o que eu tenho pra hoje.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sobre Rótulos


Sou nerd. Sou periguete. Leio livros de mil páginas em dois dias. Danço até o chão. Ajudo a pagar as contas em casa. Já comprei um vestido de seiscentos reais. Adoro ficar sozinha. Me desespero se sentir que não tem ninguém que eu goste por perto. Jogo RPG. Já entrei em coma alcoólico duas vezes. Já beijei tantos caras numa noite que perdi a conta. Já fiquei quase um ano sem ficar com ninguém. Passei em pra Direito em uma universidade pública. Abandonei faltando um ano e meio. Faço parte de uma associação que ajuda animais abandonados. Tenho mais pares de sapato do que sou capaz de contar. Tenho baixa autoestima. Sou autoconfiante. Sou extremamente maternal. Falo palavrões o tempo todo. Sou doentiamente franca. Falo mal de algumas pessoas pelas costas. Sou responsável. Não sou pontual. Sou uma amiga incrível. Sou uma péssima namorada. Dirijo bem. Prefiro que dirijam pra mim. Tenho o theme song de Power Rangers, O Poderoso Chefão, Fringe e a Marcha Imperial no meu celular. Na mesma pasta eu tenho Mc Catra, Aviões do Forró, Jorge e Matheus, Enrique Iglesias, Linking Park, Adele, The Pixies, Shaman... Adoro maquiagem, roupa, sapato. Jogo futebol. Mato barata por conta própria. Adoro encontrar alguém que me permita ser manhosa. Sou forte. Sou sensível. Detesto ser um peso pras pessoas. Adoro quando elas insistem em me mimar mesmo assim. Sou ótima em português. Sou ótima em matemática. Tenho cachorros. Tenho gatos. Sou corintiana. Bom, sou corintiana. Já fui taxada de puta. Já fui taxada de encalhada. Dou o meu melhor como filha. Mas às vezes quem vira a mãe sou eu. Sou impulsiva. Sou racional. Sou à favor da modernidade. Sou tradicionalista em alguns assuntos. Sou de direita. Não acredito em democracia. Sou carinhosa. Sou estúpida. Sou gentil. Sou agressiva. Sou... teu ego, tua alma, sou teu céu, teu inferno, tua calma kkkkk

Brincadeira gente, na verdade eu só sou louca.



Sério, pode perguntar às pessoas. Porque é assim que elas me chamam quando não conseguem entender como eu posso ser tão antagônica. E bom, talvez eu seja. Talvez eu seja um pouco louca. Talvez eu seja um pouco convencional. Talvez eu seja o que eu bem entender hoje e mude completamente de ideia amanhã.

Nós somos humanos. Não somos garrafinhas que vêm com rótulos pré-definidos, que vêm com um "modo de usar" específico. Somos um prisma. Cada um olha de um ângulo, cada um vê uma cor. O que tem que te preocupar - ou ao menos, o que me preocupa - é a essência. Independente de como as pessoas rotulem seu comportamento, onde você quer chegar? Já parou pra pensar se você realmente quer manter por perto pessoas que te condenam por simplesmente ser espontâneo? Quantas vezes você já se arrependeu do que fez por ressaca moral e quantas vezes você já se arrependeu do que não fez porque teve medo do que os outros iam pensar? Quantas vidas você tem? Já se perguntou "quem é você" ao invés de perguntar "o que é você"?

Hoje de manhã eu estava decidida a não voltar pra casa porque odiava meu pai. Agora vou acordar mais cedo amanhã pra comprar sorvete pra ele. Talvez amanhã eu acorde e fuja de casa. Talvez eu nem acorde. E aí? E daí? Talvez você goste de ser sempre a mesma pessoa. Mas é uma opção sua?

Eu me reservo o direito de acordar todos os dias e pensar "Hoje é o último dia da minha vida". E então, eu me liberto de qualquer convenção social e sou quem eu quiser. E a diferença entre mim e as pessoas que vivem com medo, é que eu sou mulher o suficiente pra arcar com as consequências das minhas decisões.

Hoje eu sou Tyler Durden. Amanhã, Bento XVI.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Sobre Mim


    • hahahaha
    • cara
    • queria mt conhcer almas tão boas qt vc
  • há 5 minutos
    Gabriela Lima
    • ai gente, dá onde cê tirou isso?
  • há 4 minutos
    Leonardo Velardo
    • é sério po
    • não tou dizendo que vc seja santa
    • quer dizer
    • tou dizendo que vc é boa
    • ah caralho
    • não sei me expressar
    • enfim
    • é mais ou menos isso aí
    • ou boa
        • quer saber um segredo, Leo?
        • no fundo eu sou mais frágil e sensível que a grande maioria das pessoas
        • e aprendi a ser ogrona pra me proteger
        • por isso consigo ser tão "boa"
        • pra mim é fácil sentir empatia pelas pessoas
        • porque eu sei o que é ser magoada sucessivas e sucessivas vezes
        • e ainda assim ter que fingir que está tudo bem
      • há 3 minutos
        Leonardo Velardo
        • ok, tecnicamente eu tb fui magoado e pisoteado por diversas e diversas vezes e tou mt longe de ser um décimo parecido com vc
        • mas agora que já sei seu segredo posso postar ele no fb
        • hahaha
      • há 2 minutos
        Gabriela Lima
        • hahahahahahhaha
        • a questão é que como eu disse
        • eu sou mais frágil que você
        • infinitas vezes mais
        • porque ao contrário de você, que pode reclamar, fazer drama e etc
        • eu tenho que bancar a forte
        • eu tenho que ser o porto seguro das pessoas
        • eu tenho que ser pras pessoas o que ninguém foi pra mim

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Sobre Amor, Família e Morte

Não posso dizer que tive uma criação comum. Na verdade, não posso afirmar o contrário também. De qualquer forma, meus conceitos de amor são muito afastados do idealismo que vejo sendo pregado por aí, mas não sei se é porque as pessoas realmente acreditam nele dessa forma ou se é porque são fracas demais pra admitir que até mesmo o sentimento mais nobre é confuso e tem lá seu quinhão de egoísmo.

Isso se aplica à questão familiar. Eu não tenho apego aos meus parentes como a grande maioria das pessoas. Minha mãe perdeu a mãe dela antes mesmo de casar de um selvagem câncer de pulmão que a levou em questão de pouco tempo. Meu pai perdeu o pai quando tinha dezoito anos de um problema de estômago que eu nunca entendi bem, mas que também me leva a crer que foi câncer ou algo muito similar. Me restaram meu avô materno e minha avó paterna.

Durante minha infância, eu sempre fui passar as férias com o meu avô, sempre tive uma ligação com ele e até mesmo com a segunda esposa dele, a qual eu chamava de vovózinha e que SEMPRE me tratou como se eu fosse uma legítima neta dela. Eu também era muito ligada à minha madrinha e irmã da minha mãe. Na verdade, eu era ligada mais com meu padrinho, esposo dela, de quem tenho ótimas lembranças. Meus primos, filhos dele também nunca foram distantes, mas não posso dizer que tivemos aquela amizaaaade que muitos primos tem, até mesmo pela nossa diferença de idade. Quanto ao outro irmão da minha mãe - ela só tem esses dois - eu sempre gostei muito de ir passar um tempo com ele na fazenda onde ele morava. As duas filhas dele eram mais próximas da minha idade, então era mais fácil tê-las por perto. Ainda assim, minha ligação com minha família materna sempre se resumiu a isso. Nunca foi nada intenso demais, exceto talvez pelo meu avô e meu padrinho.

Ironia do destino, foram exatamente eles dois quem eu perdi.

Eu não me lembro bem quando foi, se foi em 2000 ou pouco antes disso. Só sei que ambos faleceram num período muito próximo ao outro. Eu ainda era nova demais pra poder entender a morte na sua amplitude, mas ao perdê-los, boa parte do pouco vínculo que eu tinha com a família da minha mãe também foi perdido. Minha madrinha foi embora para os EUA tentar a sorte depois de ficar sem o pai e sem o marido. E eu deixei de ir à minha cidade natal e consequentemente, deixei de ver meu tio. Goianésia não tinha muito sentido sem meu avô lá.

Meu pai nunca foi ligado à família. Ele é filho bastado, como eu gosto de chamá-lo quando estou com raiva hahahaha. Minha avó já era casada e meu avô também quando ambos decidiram deixar seus respectivos cônjuges e morar juntos. Isso em 1950, ou menos. Realizem bem o quão pródiga a senhora minha avó sempre foi. Não tô roubando nada, gente. Só herdei mesmo.

Quando meu avô morreu, papai e vovó vieram pra Goiás - são mineiros - e construíram suas vidas aqui. Meu pai sempre trabalhou pra caralho e eu sempre reconheci isso nele. Muitos que leem o blog sabe que nós dois não nos damos muito bem, mas isso nunca me cegou para as qualidades dele e uma delas é essa. Como ele não foi criado com os meio-irmãos mais velhos, acabou não criando por eles muito afeto. Sinto nele também um certo ressentimento, velhas mágoas de infância, mas ele é fechado demais pra expor-se assim. Construindo sua vida longe, ele aprendeu a transformar em família as pessoas que o ajudaram. Nunca conheci seus irmãos e parente por parte de pai e ele ficou trinta anos sem ir vê-los até um primo dele arrastá-lo pra Tiros-MG - sua terra natal - há uns anos atrás.

Minha avó sempre acompanhou meu pai. Desde a morte do meu avô, ela nunca teve uma vida dela. Viveu pelo meu pai, acompanhou-o em tudo o que ele quis tentar, apoiou, defendeu, brigou. Quando meu pai se casou com a minha mãe, ela veio junto. Sortuda. Nunca no mundo alguém poderá alegar ter uma nora tão boa como a minha mãe. Considerando o marido, a sogra e os filhos que ela tem, às vezes eu brinco com ela dizendo que ela foi Hitler encarnação passada pra poder estar pagando tantos pecados nessa.

Meu irmão e eu aprendemos com meu pai e com a minha mãe que sangue não faz diferença nenhuma no quesito amor. Eu tenho orgulho em dizer que tenho "famílias" pelo Brasil inteiro. Pessoas que eu amo como se fossem do meu sangue e das quais eu sinto a recíproca. Tenho tantos irmãos quanto gostaria de ter e muitos de seus pais me tratam como se eu fosse uma parte deles também. Nesse momento eu lembro principalmente de tia Sussu Miranda, Mirandão e Marina - mãe, pai e irmã, respectivamente, do Lucas/Cebola - aos quais eu nomeio carinhosamente de minha família sumareense. (Se algum deles ler isso, saibam que eu amo vocês e agradeço muito por sempre me fazerem me sentir em casa quando estou aí. Vocês são importantíssimos pra mim.)

Não sou ligada a parentes, meu amor é ligado a coisas superiores ao sangue, é ligado à recíproca, ao companheirismo, à amizade e a alguma coisa divina que jamais vou entender, mas é aquela mágica que te faz amar uma pessoa simplesmente por amar mesmo. Mas sou ligada à minha FAMÍLIA. E quando digo família, digo meu pai, minha mãe, meu irmão, minha avó e meus cachorros. Sempre brinco que aqui em casa de cercar vira hospício e se jogar uma lona por cima, vira circo.

Não somos convencionais, as pessoas aqui andam peladas, gritamos uns com os outros, rogamos pragas, desejamos que o outro morra, xingamos, vamos às vias de fato. Não vou ser hipócrita e negar nada disso. Mas nós nos amamos. Amamos de um jeito esquisito, mas amamos por opção. Não somos lá um poço de carinho, não somos muito bons em abraços e beijos, "eu te amo" aqui é motivo de piada, passamos pouco tempo uns com os outros, mas nos amamos mesmo assim. É o nosso jeito, um jeito meio calejado, meio arisco, mas de forma nenhuma menos real e intenso. Mexa comigo e eu posso ignorar. Mexa com a minha família e essa é a única forma de você conhecer um lado meu completamente irracional. Meu monstro interior está à minha disposição pra ir até ao inferno se alguém machucar quem eu amo, principalmente esses maravilhosos diabretes que compõem a hierarquia familiar dos Lima David.

Enfim, todos esses rodeios foram para chegar no ponto crítico da questão. Não há ninguém machucando minha família, só o tempo. E infelizmente, ainda não descobri como brigar com ele. Minha única avó viva, essa que sempre morou conosco, essa que sempre foi uma parte do nosso quinteto, essa senhorinha bontinha e terrível, está com noventa anos e a idade decidiu pegá-la de uma vez só. Minha avó está muito doente. Ela já ficou assim antes, mas nunca antes eu senti com tanta força que iria perdê-la. Nós duas brigamos como o cão, são raras as vezes que a gente conversa que ela não me faz gritar. Ela me deixa louca, é teimosa feito uma mula, ignora tudo o que a gente fala, insiste em tudo o que a gente quer deixar pra lá, mexe nas coisas que não deve, se intromete em conversas e tem uma resposta pronta pra tudo. Qualquer vizinho pode testemunhar os escândalos que apronto quando ela tira o dia pra me enlouquecer. Mas eu amo mesmo assim, ela sou eu no futuro.

Minha vó é feita de pedra, inclusive o coração. Fez o que quis e em tempos onde a imagem valia ainda mais que hoje, principalmente a da instituição familiar. Deixou um casamento que não queria pra ficar com quem amava. Mandou o mundo às favas e aguentou sozinha as represálias sociais. Fibra, coragem, determinação e principalmente, amor próprio. Eu às vezes uso isso pra julgá-la mal, mas é camuflagem. Eu a admiro profundamente por isso. Sério, na época em que ela vivia e ela ter coragem de largar tudo pra ir ficar com meu avô? Minha heroína. Não suporto passividade, omissão. Minha vó percebeu desde cedo que a vida muito provavelmente é uma só e que ela iria viver do jeito dela.

E mesmo assim, há dentro dela um instinto maternal feroz. Mas não pensem que é por todos os filhos. Ela tem um filho mais velho, do primeiro casamento - até hoje eu a atormento perguntando como ela conseguiu só ter dois filhos em uma geração em que o mínimo eram seis - e nunca se preocupou com ele. Minha avó abomina a fraqueza e meu tio é um homem calmo, pacífico e extremamente parecido com o pai. Em compensação, viveu por conta do meu pai. Acompanhou-o em tudo e em tudo lhe deu suporte. E olha, meu pai é tão bom pai quanto é bom filho. Grosso, estúpido, trata minha avó muito mal. Ela parece nem notar e eu juro que acho que ela realmente não nota. Parece que são justamente essas características que fazem com que ela o ame tanto. Ele não é um bosta. Ele é um ogro e na cabeça dela, homem que é homem tem que ser assim. Se ele fosse um filho respeitoso, do tipo que pede a bênção e fala baixo, provavelmente ela já tinha deixado ele rodado há muito tempo. Minha avó é uma delícia psicológica.

Quando digo tudo isso e penso na senhora debilitada que está deitada há alguns cômodos de mim, me dói profundamente. Minha avó sempre foi independente. Mesmo morando conosco a vida inteira, ela sempre teve a casinha dela à parte, nunca aceitou ajuda pra nada. E agora eu vejo o tempo judiando dela sem piedade. Vejo ela não conseguir mais segurar os intestinos, vejo ela não se lembrando mais das coisas, vejo ela perdendo a percepção, a noção espacial, o equilíbrio. E eu não sei o que fazer. Somos durões aqui, não somos do tipo que corremos e ficamos na cabeceira um do outro, até porque o doente iria mandar o acompanhante tomar no cu porque não temos paciência pra chororô.

É só que eu sinto que estou perdendo ela e não sei como lidar com isso. Uma morte simples e limpa seria fácil, mas não consigo vê-la morrer aos poucos, definhar, se tornar dependente. Isso é cruel demais pra alguém tão lúcida como ela. É como se o tempo risse da cara dela e ela ainda assim, continuasse a desafiá-lo. Eu não sei como pensar, eu não sei o que sentir. Todos tem que ir embora, mas eu preferia tê-la por mias uns bons anos me fazendo ficar louca a ter que deixá-la ir. Ao mesmo tempo, eu não ache que viver tanto tempo seja uma dádiva e sim um tormento. As pessoas que construíram sua história com você já se foram e agora só restam lembranças. Seu corpo está morrendo aos poucos. A morte pode ser um doce descanso. Eu só não sei pelo que orar, a não ser para pedir a Deus que seja misericordioso e escolha a opção mais justa e menos cruel.

Eu queria poder ir lá e dormir na casinha dela, mas isso não faz sentido pra mim. Tô pensando que talvez amanhã quando eu chegar do trabalho eu fique lá com ela conversando um pouco, mas também não sei se vou chegar a fazê-lo. Duas pessoas feitas de pedra não sabem se abraçar, não têm calor pra ceder. Mas ao mesmo tempo, eu me sinto horrível com essa sensação de que talvez esses sejam os últimos dias dela e eu não tenha feito nada pra que eles sejam melhores ou que pelo menos, eles deixem alguma boa lembrança. Me sinto inútil.

Eu estou despedaçada. Não quero admitir, não quero aceitar, mas estou. Eu não sei lidar com a morte, minha racionalidade me impede de sentir as coisas na intensidade devida. Eu apenas penso e penso e penso. E não há o que pensar sobre o fim. Ele simplesmente vem cedo ou tarde, pra tudo e pra todos. Não há nada que possam fazer por mim, não há nada que possam me dizer e o pior de tudo, não há nada que EU possa fazer. Mas ainda assim senti a necessidade de escrever tudo isso, talvez pra aliviar um pouco da angústia, talvez para me prevenir da culpa que irei sentir se minha avó realmente morrer e eu não ter feito nada.

Me resta a espera, me resta a esperança, me resta que minha mente se ilumine.

E nada disso me consola.