quinta-feira, 5 de maio de 2011

Sobre União Homoafetiva

Juridicamente falando, hoje o Brasil progrediu. A decisão do STF favorável à união homoafetiva reverte a restrição de 111 direitos aos quais os casais gays não tinham acesso, como a adoção. É passo considerável, principalmente para as pessoas que são abrangidas por essa nova lei. Mas eu não estou aqui pra falar de direito. Aliás, se eu gostasse, teria terminado a faculdade.

Vim aqui pra falar de sentimento. Vim falar de preconceito. Falar de como certas pessoas são capazes de se achar na competência de julgar os direitos alheios. Vim falar de família.

Não se legisla sobre amor. Não há lei, do homem ou divina, que possa restringir sentimentos. O mal da religião sempre foi esse: Tentar nos impor regras sobre aquilo que não podemos controlar. Amor não escolhe nada. Quando a gente sente, a pessoa pode ser feia, boba, mau caráter, pobre, morar longe e perder a havaiana na enxurrada. E ela pode ser do mesmo sexo também.

A gente tem que legislar sobre respeito. Respeito às opiniões alheias. As pessoas tem que aceitar a idéia de que todos os seres humanos são diferentes entre si e suas escolhas são infinitas e que na maioria das vezes, essas escolhas vão ser divergentes das nossas. Os que são contra a homossexualidade tem direito à sua opinião, desde que não queiram impô-las aos que são à favor. O mesmo vale no sentido contrário. Respeito, minha gente. Respeitem o diferente. Não gosta? Não se mistura. Volto ao parágrafo anterior dizendo que não se legisla sobre sentimentos. Ninguém pode obrigar ninguém a gostar ou desgostar. Mas a gente obriga a respeitar. Não se constrói uma sociedade sem respeito.

Preconceito. Pré-conceito. Pessoas que estão presas a dogmas esquecem-se que a verdade é mutável, relativa e muito sem vergonha. Não existe verdade sem opinião e não existe opinião unânime. Pior de tudo é usar de fé - logo uma coisa tão subjetiva - pra argumentarem. Repito algo que disse no twitter hoje: Quem usar os preceitos de "Deus" pra justificar seus atos, por favor apresente a procuração registrada em cartório que ele assinou permitindo que se fale em nome "Dele". O Estado reconhece o direito de todos à sua fé. Essas pessoas deveriam reconhecer o direito de todos a fazer suas escolhas.

Muitos argumentam que uma união gay não pode ser reconhecida como instituição familiar. Por que? Aliás, qual o conceito de família, dessas pessoas? Por que pra mim, família há muito tempo deixou de envolver um pai e uma mãe. Família envolve gente que se ama, gente que se respeita, gente que se apóia, gente que constrói uma história. Tem muito amigo meu que é mais família que meus parentes. Tem muita gente que não tem o mesmo sangue que eu que eu chamo de "irmão". Tem muita família boa por aí que não conta com a estrutura tradicional. E muita família má que segue todos os princípios cristãos.

Minha família, por exemplo, conta com pai, mãe e irmão. Meu pai é um bêbado eventual que decide me agredir quando dá na telha dele. Meu irmão é um omisso que é incapaz de fazer algo pra me proteger ou proteger minha mãe. Mas minha família está aparada pela lei, mesmo que eu tenha que ter saído de casa aos dezesseis anos por não suportar mais as agressões do meu pai. Mesmo que o ambiente em que eu fui criada tenha sido muitas vezes hostil e completamente traumatizante. E é nessas horas que eu me pergunto, por que as pessoas querem impedir que pessoas que se amam, pessoas tão determinadas a criar uma criança num ambiente de amor - a ponto de criar uma criança que não tem seu sangue, - sejam impedidas de conquistar isso apenas por serem do mesmo sexo? Numa realidade onde a instituição familiar tradicional está decadente, por que impedir uma nova modalidade de família? Por que não tentar algo novo, algo que pode dar certo, só por preconceito?

Respeito, minha gente. Respeito. Se houvesse uma lei pra proibir alguém de ficar junto, de criar filhos, de construir uma história, esse alguém deveria ser gente sem caráter, gente sem capacidade de discernimento, gente sem índole, gente incapaz de respeitar o próximo, gente sem nada de bom pra passar pra frente genética e moralmente. Particularmente, eu estou imensamente feliz com essa nova lei. Sei que ainda há muita coisa pra acontecer, não é tão simples assim mudar nossa legislação. Mas cada passo nos deixa mais próximo de um país mais igualitário, mais humano.

E francamente, considerando o pai que eu tenho, eu preferia mil vezes ter tido duas mães.