terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sobre Futuro Hipotético I

Muitas vezes eu me peguei pensando como seria minha vida se eu tivesse feito escolhas cruciais diferentes das que fiz. E juntando isso a uma conversa com minha mãe e a episódios da série Being Erica, lanço uma nova série no Adulterrado: Being Gabriela. Essa série irá tratar de um dia comum na vida da Gabriela que eu seria se eu tivesse feito algumas escolhas diferentes.

Pra estreiar, apresento a vocês a Gabriela que eu seria se há três anos e meio atrás eu não tivesse escolhido abandonar o curso de Direito. Dedico esse post ao meu pai, porque essa é a Gabriela que ele sempre sonhou que eu fosse.

"Acordo e nem sei que horas são, mas deve ser umas nove, porque é mais ou menos nesse horário que meu corpo desperta, exceto quando estou de ressaca. Fico rolando na cama mais um pouco até que decido desligar o ar condicionado e abrir a porta. Os gatos reclamam com preguiça porque sabem o que isso significa. Logo eu volto pra cama e sou eu, dois gatos e três cachorros. Fico ali mais um pouco me divertindo com meus filhotes até que decido levantar. Todos eles me seguem até o banheiro onde tomo meu banho morno e passo meus cosméticos diários. Tô com quase vinte e três anos, não posso abrir brechas pra que um belo dia a idade chegue e me pregue um soco nas fuças.

Volto pro quarto e o look diário é uma calça social com regata branca e um desses cintos grossos que marcam a cintura. Depois de um bom tempo de academia finalmente consegui ter um corpo razoável, mas nem de longe é o que eu gostaria, por isso preciso usar esses artifícios femininos pra dar uma melhorada na imagem. Mas deixa só eu terminar de pagar meu Corolla que isso vai mudar. Vou poder finalmente fazer aquela lipo dos sonhos. Meu cabelo só precisa de uma chapinha na franja, a maquiagem é leve e o salto do sapato, médio. Afinal, o dia só tá começando e eu vou precisar sorrir muito, andar muito, ser muito sociável e desviar com habilidade das cantadas de boa parte dos homens com quem trabalho. Detesto trabalhar com mulheres e agradeço todos os dias por não ter que lidar com praticamente nenhuma delas.

Dou uma olhada lá dentro de casa - meu quarto é um anexo externo porque curto minha privacidade - e o pai ainda não levantou. Depois que me formei, há quase um ano atrás, e voltei pra casa, ele dorme bem mais. Acho que é aquela idéia de “substituto à altura”. Ele sabe que eu sou tão igual a ele como a genética permite, só que melhorada por um curso superior em Direito e o fato de eu ter peitos. Sim, o “legado” está a salvo comigo.

Tiro o carro da garagem e desço pra Praça da Prefeitura. Na verdade, eu não levaria nem dez minutos indo a pé, mas andar a pé é algo que desconheço desde que voltei pra casa. Lembro quando eu prometi à mãe que quando me formasse nunca deixaria ela andar a pé, mas nunca me lembro disso na hora de levantar as sete da manhã pra levar ela na escola. Mas tudo bem, ela entende. Ela sempre entendeu meu pai, por que é que ela não me entenderia? Apenas a desencargo de consciência, vou passar na Agrovet e comprar umas besteiras pra casa e pegar ela na escola na hora do almoço.

Estaciono o carro e logo na esquina oposta já vejo dois dos “meus rapazes”. Chamo-os assim porque eles ficam envaidecidos, mas o mais jovem deles deve estar com quase quarenta. São os vereadores da cidade, meus “chefes”. Assim que eu me formei, me esforcei ao máximo pra pegar a OAB e poder voltar pra Crixás. Oficialmente, sou apenas uma advogada de um escritório da cidade. Mas quem liga pro oficialmente, não é mesmo? Na verdade eu sou uma arquiteta. Minha vida é elaborar planos que rendam lucros financeiros e atendam aos interesses dos “meus rapazes”. É montar alguns projetos razoáveis – projetos nos quais vamos ter algum lucro, obviamente – para serem postos em votação por um deles e convencer outros quatro a votarem a favor. E pra isso, eu uso de qualquer argumento. O pai não faz idéia, mas tenho bem menos escrúpulos que ele. É geralmente nessas horas que entra a vantagem de saber Direito. Ou de ter peitos.

Converso com os dois vereadores que estão ali, dou uma passadinha no gabinete do prefeito pra ter uma noção do andamento da campanha para deputado pro qual estamos trabalhando – leia-se: saber quanto vamos ganhar – e vou até o escritório. Apesar do meu dinheiro vir mesmo de um trabalho não tão ético quando a advocacia em si, gosto de pegar alguns casos pra me divertir. Não rola nada grandioso em uma cidade de quinze mil habitantes, mas é justamente por isso que me ocupo. Na hora do almoço, pego a mãe na porta do colégio, levo pra casa e conto pra ela dos planos em andamento. Ela não gosta, mas escuta. Só o pai me entende.

Chegamos em casa e almoçamos. O pai já levantou e então conto pra ele com ainda mais detalhes os projetos que tenho em mente. Ele ri e dá algumas sugestões. Nos entendemos a maior parte do tempo, mas quando não entramos em acordo, é um inferno. Ele insiste que sabe mais que eu, que tem mais experiência. Mas eu sou mais inteligente e o que ele levou anos pra aprender, eu praticamente nasci sabendo. Nessas horas eu apenas finjo que concordo com ele e depois faço do meu jeito. Desculpa aí, paizão, mas a sua época já passou.

À tarde temos uma “reuniãnzinha” na Câmara e termina já na hora de eu ir pra academia. Estou satisfeita. Conseguimos aprovar uma votação crucial e é dois milzinhos em caixa até o fim da semana. Fim do dia, yes! Ligo pras meninas e pergunto se não animam de ir em Santa Terezinha, a cidade vizinha, comer algo e tomar uma gelada. Temos tempo limitado, pois a Polly trabalha à noite. Pego elas nas suas respectivas casas e vamos. Volto a tempo de ir jogar uma canastra marota com o pai e o resto da sua gangue de cinquentões. Sou a única mulher, mas nem parece nessas horas. Sou apenas meu pai mais jovem. E detesto perder.

Só vejo meu irmão quando chego à noite. A gente dá umas risadas, ele me conta umas histórias de putaria e sutilmente pede dinheiro. Ele sempre foi assim, um malandro. Mas a gente se acostuma, e ao contrário do meu pai, sou mais generosa. Jogo cenzinho na mão dele e digo que é a última vez. Ambos sabemos que não é, mas cada um tem que cumprir sua parte do scrpit.

Ainda não tá tarde demais e eu não tenho horário pra acordar. Pego o celular e ligo. O cara é casado, mas bom, quem tem compromisso é ele, não eu. Pego ele na porta de casa e vamos pro motel. Não faço muita questão de discrição, sempre consegui driblar bem as fofocas. Mulheres em geral são seres babacas, ainda mais no interior. Acham que o simples fato de casar e ter filhos vai fazer a vida delas completa. Não vai. Enquanto elas ficam lá imaginando onde o marido está, eu estou usando-os e descartando como bem entendo.

Além do mais, eu não tenho nada a perder. Tô com a vida feita, meus amigos. Não tenho nem um ano de formada e tenho carrão do ano, casa confortável, dinheiro pra gastar, vida de rainha. Meu trabalho exige habilidade, mas eu sou tão boa nele que não me preocupo. Consigo o que quero ao preço que tiver que pagar. “Meus rapazes” vão mudar com o tempo, mas eu permaneço lá. Político é tudo igual, gente é tudo igual. Todo mundo tem seu preço e eu sei medir isso só de olhar. O pai quer que eu me candidate na próxima eleição, mas mal sabe ele que estando fora dela eu tenho muito mais a ganhar.

Chego em casa, tomo aquele banho, tiro a maquiagem, passo mais cosméticos e vou dormir com meus dois gatos e três cachorros. A mãe e o pai não deixavam eles dormir com eles, mas desde que cheguei isso mudou. Gosto dos meus bichos. É amor mesmo, sabe? Sincero, felicidade de saber que eu tô em casa, felicidade em ficar perto de mim gratuitamente. São os únicos em quem confio. Neles e na mãe. Ah, a mãe. Boa pessoa, mas de tão boa, é meio boba. Francamente, não sei como ela aguenta o pai e eu. É... melhor pra nós dois.

Já tô quase dormindo e então eu penso como seria se eu tivesse realmente desistido do curso quando percebi que detestava Direito. Provavelmente estaria aí, em algum empreguinho público qualquer, ganhando pouco, andando de ônibus, passando vontade, devendo e com o pai me odiando. Mas não, eu fui esperta. Não fiz o que eu gosto, mas o que era necessário. E afinal, vivendo bem, que mal tem? Posso não estar realizada, mas tenho grana e conforto. E no fim, é isso que conta. Acredito que sou feliz. Pelo menos, não me sobra tempo pra pensar que não sou. Além do mais, fim de semana já tá aí e eu tô com uma viagem marcada pra Caldas Novas com uma galera e eu já encomendei um Blue Label pra pagar de gatinha."

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Sobre Meu Pai

"Durante os últimos seis anos, tudo o que eu fiz foi tentar te agradar. Minto. Durante minha vida inteira, meu maior esforço foi agradar você, mais do que a qualquer outra pessoa. Eu sempre tomei as suas expectativas como minhas. Enquanto ninguém esperava muito do Allan, todos esperavam tudo de mim. Que eu fosse uma ótima aluna, que eu passasse em um vestibular numa Federal, que eu me formasse com louvores, que eu passasse em um concurso público, enfim... Que eu fosse um sucesso.


Mas essa não sou eu. Eu tentei durante esses vinte e dois anos ser o que você quer que eu seja, mas desculpa, sou parecida demais com você pra ser o que os outros esperam. Eu só posso ser quem EU quiser, por mais que me doa ter que te decepcionar. E eu não quero me formar em Direito. Eu não quero prestar concurso público. Não quero ser a porra de uma juíza, de uma promotora, de o diabo de ré. Olha, eu posso não saber o que eu quero ser, mas uma coisa eu tenho certeza: Eu sei exatamente o que eu NÃO quero ser.


Por isso, depois de adiar durante anos essa conversa, decidi que não dá mais. Sou teimosa e obstinada demais pra conseguir fazer o que não quero. Não faço. Acho que nós dois sempre soubemos disso e tentamos nos enganar. Infelizmente não funcionou. Prefiro passar o resto da minha vida sendo feliz com meus fracassos do que ser feliz com os sucessos que eu não quero.


Eu sempre fui uma ótima aluna. Eu passei num vestibular concorrido pra uma Federal. Eu passei em um concurso – que não era o que você sonhava, mas ainda assim um concurso público com um número razoável de concorrentes e no qual fiquei bem posicionada e que você pôde usar pra contar vantagem pros seus amigos. Mas eu não vou me formar em Direito. Eu não sou o filho do Zé Romão que é sei-lá-o-quê em sei-lá-onde. Eu sou a sua filha e sou uma cópia sua e é por isso mesmo que eu vou ser o que eu quiser onde eu quiser. Foi isso o que você fez a vida inteira e a vida foi dura, mas não tente negar pra mim: Você só é feliz porque sempre fez o que queria fazer. E só pôde fazer isso porque não tinha seu pai tentando te obrigar a ser o que você não queria e porque tinha sua mãe pra te apoiar em tudo. Você sempre foi livre, pai e por mais que a vida não seja um mar-de-rosas, DUVIDO que você tivesse escolhido outra se pudesse.


Eu sinto muito mesmo por não ser o que você quer. Sinto de verdade. E saiba que eu tentei. Muito mais do que eu tenha tentado qualquer coisa por qualquer outra pessoa. Mas não dá. E já que eu não vou conseguir te agradar, vou seguir minha vida. Desisti de Direito e agora vou me dedicar a procurar outro rumo. Talvez eu volte pra casa com o rabinho entre as pernas daqui um tempo e me sinta ridícula, mas foda-se, eu nunca vou saber se não tentar. Não tenho medo de ter que começar tudo de novo um milhão de vezes e herdei isso de você.


Espero que me apóie. E se não puder fazer isso, fique com as lembranças do que eu conquistei por você. Agora eu estou indo atrás do que posso fazer por mim.


Eu te amo e te admiro por sua coragem, e não por seus feitos.
Torço pra que um dia possa dizer o mesmo de mim.

Att.
Gabi"

Daí eu enviei esse e-mail pro meu pai hoje e ele me mandou um sms dizendo que tem vergonha de mim e que eu não valho nada.

Um bom setembro a todos.