domingo, 1 de abril de 2012

Sobre Auto-Estima


Muitas pessoas se espantam com a minha capacidade de ser franca. Não só ser franca nas minhas opiniões sobre as outras pessoas, mas principalmente, ser franca sobre mim. Não sei bem a origem disso, tenho a impressão que começou quando eu tive minha primeira crise depressiva, aos catorze anos. Minha recusa em ir a analistas – afinal, eu tinha entrado em depressão por confiar demais nas pessoas e me decepcionar, então não estava pronta pra tentar resolver meu problema justamente tendo que confiar em um estranho – fez com que eu criasse meus próprios mecanismos de defesa. Um deles – o principal – foi a auto-análise. Por mais que eu enrole por um tempo, mais cedo ou mais tarde, eu sento comigo mesma em um café parisiense num dia frio e digo “vamos conversar”.

Com o tempo, aprendi a compartilhar essas minhas conversas. Quando mais eu falo de um problema, mais próxima eu fico de solucioná-lo. Além do mais, sinto que é algo que posso fazer pelas pessoas. Se elas não conseguem expressar seus conflitos internos, talvez através da identificação com os meus, elas também possam chegar a alguma solução.

Hoje eu estou aqui pra falar sobre problemas com a minha auto-estima.

Como eu já disse ali em cima, aos catorze anos passei pela minha primeira crise depressiva. Decepcionei-me com aqueles que eu julgava meus amigos e porra, eu era uma adolescente! Imaginem a dimensão que isso tomou na minha vida. Com isso, eu já tive um forte golpe no meu ego. Eu me achava super legal e à prova de rejeições. A pancada foi tão forte que eu simplesmente me isolei. Não reagi com a minha explosividade típica. Chorei, guardei, me ressenti. E depois de passar por várias fases similares às do luto – afinal, alguma coisa tinha realmente morrido em mim – eu decidi que não iria deixar que pessoas que me trataram mal me transformassem em um deles. Mas com isso, acabei me tornando auto-suficiente demais. Decidi que não precisava de ninguém na minha vida, que iria ser uma ótima pessoa com todos e uma ótima amiga a quem precisasse, mas que não confiaria em ninguém. Que eu seria uma boa amiga, mas que não iria querer ninguém como amigo.

Junto com esse problema psicológico, veio o fato de eu ter sido sempre gorda. Não estar dentro dos padrões estéticos criou outra barreira de auto-proteção. Eu me achava horrorosa e por justa causa, não acreditava que as pessoas pudessem ter outra visão que não essa. Nunca soube lidar com elogios físicos, pra mim soavam sempre falsos ou com segundas intenções. Inteligente, companheira, leal... Tudo bem. Bonita, sorriso cativante, olhos expressivos... Eu já entrava em estado de alerta, dava um sorrisinho amarelo e escapava.

Aos dezesseis eu fui aprovada para Direito na UFG, o segundo curso mais disputado na época. Isso elevou minha moral. Eu podia não ser bonita e podia não confiar nas pessoas, mas agora eu provava que era inteligente e capaz. Só que com o tempo eu percebi que aquilo não era nada do que eu queria e o  angu desandou de novo.

Por anos, me arrastei em um limbo. A única coisa que me mantinha em pé era um altruísmo destrutivo. Uma espécie de obrigação em fazer bem as pessoas na expectativa de que um dia eu encontrasse alguém disposto a fazer o mesmo por mim. Nesse meio-tempo, abandonei a faculdade por falta de afinidade com a área, vagueei entre ficar completamente à toa e trabalhos em órgãos públicos, me descuidei completamente de mim mesma e existi. Minha única conquista – o vestibular – a essa altura já não me valia de nada porque não concluí o curso, e eu era só mais uma garota de futuro brilhante que decepcionou a todos, inclusive a mim mesma.

Ano passado eu voltei pra casa. Fracassada, obesa e sem nenhuma perspectiva de vida. Não vou entrar em detalhes – porque já falei sobre isso em outros posts – mas em menos de um ano, dei uma reviravolta na minha vida. Comecei uma nova faculdade que eu gostava, passei em um concurso público federal para cargo efetivo, comprei meu carro, emagreci quinze quilos, fiz novos amigos, passei a ser menos racional e mais emocional, me entreguei mais aos meus relacionamentos – pessoais, amorosos, amizades, etc. E então eu fui de um extremo ao outro.

Deslumbrada, comecei a tentar aproveitar tudo o que eu não tinha aproveitado. Eu tinha conquistado tudo o que almejava com tanta facilidade! Passou a chover homem me elogiando, me cantando, flertando comigo. Passou a brotar gente querendo sair comigo, me chamando pra festas, fazendo questão da minha companhia. Passei a ser reconhecida no meu trabalho, me tornei útil. Entrei num país mágico que me parecia inacessível até pouco tempo antes, eu era considerada linda e querida. Tornei-me fútil, egocêntrica, descontrolada. Não dizia não a nenhuma balada, não dizia não a nenhuma pessoa. “O melhor momento da minha vida” eu disse várias vezes. E não, não era.

Depois de meses nessa vida, eu comecei a sentir um vazio imenso dentro de mim. E de repente me toquei que eu não tinha nenhuma perspectiva, nenhum objetivo. Tudo o que eu tinha desejado tinha acontecido e então eu parei, não fiz mais nenhum plano. Deixei a faculdade em segundo plano, não fiz nenhum projeto de vida e percebi que não conseguia me visualizar daqui a cinco anos. Na verdade, não consigo me visualizar daqui a um ano, sequer. Eu não sei quem eu sou, quem eu quero ser, onde eu quero chegar. Tornei-me uma casca vazia. Vivendo o dia de hoje sem pensar no amanhã. Uma pessoa sem sonhos, sem metas. Eu me tornei exatamente o tipo de pessoa que eu tinha prometido não me tornar lá atrás, quando tudo começou.

Confusa, passei essas últimas semanas refletindo sem encontrar uma solução. Até que falei com uma amiga, Marina Bonafé, essa noite. Por favor, não quero que nenhuma das minhas outras amigas sintam ciúmes aqui, mas abri o jogo com ela porque eu tinha certeza que de todas as pessoas com quem convivo, ela era a única que iria conseguir me entender. Não sei se é porque a gente é muito parecida, só sei que quando eu não consigo enxergar o que está acontecendo comigo, ela vê com uma facilidade assustadora.

Ela não falhou e deixou bem claro que a impressão que eu tinha dado a ela era a de que meu psicológico/emocional não acompanhou minhas mudanças físicas. Minha auto-estima, minha autoconfiança, meu amor próprio... Nada tinha acompanhado as mudanças externas na minha vida. Por fora, uma Gabriela bonita, bem vestida, confiante, bem sucedida, bem acompanhada... Por dentro, uma Gabriela insegura, desconfiada e francamente decepcionada com o rumo que estava dando à minha vida. Entrei em choque comigo mesma. Foi tudo tão rápido que eu não consegui administrar.

Posso dizer agora, com toda a sinceridade, que me olho no espelho e continuo me achando feia. Posso dizer agora que continuo me esforçando pelas pessoas, mas não acho que elas possam oferecer nada a mim. Posso dizer que continuo achando que pro meu potencial, eu sou um completo fracasso. E posso dizer que acho que estou errada. Que há um meio termo. Que não sou linda, mas também não sou horrorosa. Que o mundo está cheio de pessoas falsas mas que eu também tenho pessoas incríveis perto de mim. Que eu posso não ter chegado no máximo do meu potencial, mas que também não deixo a desejar.

Descobri que ainda não vivi nem o melhor, nem o pior momento da minha vida. Que nunca fui completamente feliz ou infeliz. E que talvez isso não exista, que os extremos não sirvam de nada.

É preciso achar o meio-termo.

Nesse momento, estou trabalhando pra definir minhas prioridades. Sem influências sociais e sem cobranças exageradas de mim mesma. E resolvi escrever esse texto pra que eu possa lê-lo se me perder de novo. Pra que as pessoas encontrem alguma coisa em comum comigo. Pra me lembrar de quais são meus valores. Lembrar-me que passei a me cuidar não pra ter um monte de homens me querendo, mas pra EU me querer mais. Lembrar-me que eu não devo estudar e trabalhar pra mostrar algo às pessoas, e sim pra me realizar, pra encontrar motivação pra preencher minha vida. Lembrar-me que estou rodeada de pessoas e que eu sou um delas. Que eu também erro, que eu também acerto e que no final, o que importa mesmo é quem vale a pena vai continuar ali pra mim, por pior que as coisas possam ter sido entre nós algum dia.

Parei de enxergar o “não sei” como motivo pra me desesperar e sim como uma nova chance de fazer novas escolhas. E desejo a todos que perderam seu norte, que encontrem um lugar onde não haja ondas magnéticas e que suas bússolas voltem a funcionar.

Ainda não sei a caminho de que estou. Mas gente, o importante é que eu voltei a andar. Quero aprender a dizer não e sim na hora certa e não ficar presa a apenas a uma dessas respostas.

E é isso o que eu tenho pra hoje.

3 comentários:

  1. Não acho que deva se martirizar tanto assim por ter tentado ser feliz como não tinha sido até então, Biela. Mas o que vale é a lição, o aprendizado que você tirou disso tudo. É clichê, eu sei, mas o que é a vida senão uma grande escola onde aprendemos sempre, diariamente? Enfim, muito tocante. Como tudo que tu escreves. Beijo.

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  2. Eu gosto de você. A gente nem é próxima, nem nada, mas tudo o que você escreve... É como se você tivesse colocando meus pensamentos em ordem e traduzindo-os em palavras. Eu sinceramente te desejo tudo de bom, Gabriela. Eu sei que você, e eu também, vamos achar o meio-termo. Eu acredito em mim e acredito em você.
    E o texto tá ótimo. Você escreve muito bem. (;

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  3. Lembre-se sempre que o resultado é o SOl

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