Muitas pessoas se espantam com a minha capacidade de ser
franca. Não só ser franca nas minhas opiniões sobre as outras pessoas, mas
principalmente, ser franca sobre mim. Não sei bem a origem disso, tenho a
impressão que começou quando eu tive minha primeira crise depressiva, aos
catorze anos. Minha recusa em ir a analistas – afinal, eu tinha entrado em
depressão por confiar demais nas pessoas e me decepcionar, então não estava
pronta pra tentar resolver meu problema justamente tendo que confiar em um
estranho – fez com que eu criasse meus próprios mecanismos de defesa. Um deles –
o principal – foi a auto-análise. Por mais que eu enrole por um tempo, mais
cedo ou mais tarde, eu sento comigo mesma em um café parisiense num dia frio e
digo “vamos conversar”.
Com o tempo, aprendi a compartilhar essas minhas conversas.
Quando mais eu falo de um problema, mais próxima eu fico de solucioná-lo. Além
do mais, sinto que é algo que posso fazer pelas pessoas. Se elas não conseguem
expressar seus conflitos internos, talvez através da identificação com os meus,
elas também possam chegar a alguma solução.
Hoje eu estou aqui pra falar sobre problemas com a minha
auto-estima.
Como eu já disse ali em cima, aos catorze anos passei pela
minha primeira crise depressiva. Decepcionei-me com aqueles que eu julgava meus
amigos e porra, eu era uma adolescente! Imaginem a dimensão que isso tomou na
minha vida. Com isso, eu já tive um forte golpe no meu ego. Eu me achava super
legal e à prova de rejeições. A pancada foi tão forte que eu simplesmente me
isolei. Não reagi com a minha explosividade típica. Chorei, guardei, me
ressenti. E depois de passar por várias fases similares às do luto – afinal,
alguma coisa tinha realmente morrido em mim – eu decidi que não iria deixar que
pessoas que me trataram mal me transformassem em um deles. Mas com isso, acabei
me tornando auto-suficiente demais. Decidi que não precisava de ninguém na
minha vida, que iria ser uma ótima pessoa com todos e uma ótima amiga a quem
precisasse, mas que não confiaria em ninguém. Que eu seria uma boa amiga, mas
que não iria querer ninguém como amigo.
Junto com esse problema psicológico, veio o fato de eu ter
sido sempre gorda. Não estar dentro dos padrões estéticos criou outra barreira
de auto-proteção. Eu me achava horrorosa e por justa causa, não acreditava que
as pessoas pudessem ter outra visão que não essa. Nunca soube lidar com elogios
físicos, pra mim soavam sempre falsos ou com segundas intenções. Inteligente,
companheira, leal... Tudo bem. Bonita, sorriso cativante, olhos expressivos...
Eu já entrava em estado de alerta, dava um sorrisinho amarelo e escapava.
Aos dezesseis eu fui aprovada para Direito na UFG, o segundo
curso mais disputado na época. Isso elevou minha moral. Eu podia não ser bonita
e podia não confiar nas pessoas, mas agora eu provava que era inteligente e
capaz. Só que com o tempo eu percebi que aquilo não era nada do que eu queria e
o angu desandou de novo.
Por anos, me arrastei em um limbo. A única coisa que me
mantinha em pé era um altruísmo destrutivo. Uma espécie de obrigação em fazer
bem as pessoas na expectativa de que um dia eu encontrasse alguém disposto a
fazer o mesmo por mim. Nesse meio-tempo, abandonei a faculdade por falta de
afinidade com a área, vagueei entre ficar completamente à toa e trabalhos em
órgãos públicos, me descuidei completamente de mim mesma e existi. Minha
única conquista – o vestibular – a essa altura já não me valia de nada porque
não concluí o curso, e eu era só mais uma garota de futuro brilhante que
decepcionou a todos, inclusive a mim mesma.
Ano passado eu voltei pra casa. Fracassada, obesa e sem
nenhuma perspectiva de vida. Não vou entrar em detalhes – porque já falei sobre
isso em outros posts – mas em menos de um ano, dei uma reviravolta na minha
vida. Comecei uma nova faculdade que eu gostava, passei em um concurso público
federal para cargo efetivo, comprei meu carro, emagreci quinze quilos, fiz
novos amigos, passei a ser menos racional e mais emocional, me entreguei mais
aos meus relacionamentos – pessoais, amorosos, amizades, etc. E então eu fui de
um extremo ao outro.
Deslumbrada, comecei a tentar aproveitar tudo o que eu não
tinha aproveitado. Eu tinha conquistado tudo o que almejava com tanta
facilidade! Passou a chover homem me elogiando, me cantando, flertando comigo.
Passou a brotar gente querendo sair comigo, me chamando pra festas, fazendo
questão da minha companhia. Passei a ser reconhecida no meu trabalho, me tornei útil. Entrei num país mágico que me parecia inacessível
até pouco tempo antes, eu era considerada linda e querida. Tornei-me fútil,
egocêntrica, descontrolada. Não dizia não a nenhuma balada, não dizia não a
nenhuma pessoa. “O melhor momento da minha vida” eu disse várias vezes. E não,
não era.
Depois de meses nessa vida, eu comecei a sentir um vazio
imenso dentro de mim. E de repente me toquei que eu não tinha nenhuma perspectiva,
nenhum objetivo. Tudo o que eu tinha desejado tinha acontecido e então eu parei,
não fiz mais nenhum plano. Deixei a faculdade em segundo plano, não fiz nenhum
projeto de vida e percebi que não conseguia me visualizar daqui a cinco anos.
Na verdade, não consigo me visualizar daqui a um ano, sequer. Eu não sei quem
eu sou, quem eu quero ser, onde eu quero chegar. Tornei-me uma casca vazia.
Vivendo o dia de hoje sem pensar no amanhã. Uma pessoa sem sonhos, sem metas.
Eu me tornei exatamente o tipo de pessoa que eu tinha prometido não me tornar
lá atrás, quando tudo começou.
Confusa, passei essas últimas semanas refletindo sem
encontrar uma solução. Até que falei com uma amiga, Marina Bonafé, essa noite. Por favor, não quero que nenhuma das minhas outras
amigas sintam ciúmes aqui, mas abri o jogo com ela porque eu tinha certeza que
de todas as pessoas com quem convivo, ela era a única que iria conseguir me
entender. Não sei se é porque a gente é muito parecida, só sei que quando eu
não consigo enxergar o que está acontecendo comigo, ela vê com uma facilidade
assustadora.
Ela não falhou e deixou bem claro que a impressão que eu
tinha dado a ela era a de que meu psicológico/emocional não acompanhou minhas
mudanças físicas. Minha auto-estima, minha autoconfiança, meu amor próprio...
Nada tinha acompanhado as mudanças externas na minha vida. Por fora, uma
Gabriela bonita, bem vestida, confiante, bem sucedida, bem acompanhada... Por
dentro, uma Gabriela insegura, desconfiada e francamente decepcionada com o
rumo que estava dando à minha vida. Entrei em choque comigo mesma. Foi tudo tão
rápido que eu não consegui administrar.
Posso dizer agora, com toda a sinceridade, que me olho no
espelho e continuo me achando feia. Posso dizer agora que continuo me
esforçando pelas pessoas, mas não acho que elas possam oferecer nada a mim.
Posso dizer que continuo achando que pro meu potencial, eu sou um completo
fracasso. E posso dizer que acho que estou errada. Que há um meio termo. Que
não sou linda, mas também não sou horrorosa. Que o mundo está cheio de pessoas
falsas mas que eu também tenho pessoas incríveis perto de mim. Que eu posso não
ter chegado no máximo do meu potencial, mas que também não deixo a desejar.
Descobri que ainda não vivi nem o melhor, nem o pior momento
da minha vida. Que nunca fui completamente feliz ou infeliz. E que talvez isso
não exista, que os extremos não sirvam de nada.
É preciso achar o meio-termo.
Nesse momento, estou trabalhando pra definir minhas
prioridades. Sem influências sociais e sem cobranças exageradas de mim mesma. E
resolvi escrever esse texto pra que eu possa lê-lo se me perder de novo. Pra
que as pessoas encontrem alguma coisa em comum comigo. Pra me lembrar de quais
são meus valores. Lembrar-me que passei a me cuidar não pra ter um monte de
homens me querendo, mas pra EU me querer mais. Lembrar-me que eu não devo
estudar e trabalhar pra mostrar algo às pessoas, e sim pra me realizar, pra
encontrar motivação pra preencher minha vida. Lembrar-me que estou rodeada de
pessoas e que eu sou um delas. Que eu também erro, que eu também acerto e que
no final, o que importa mesmo é quem vale a pena vai continuar ali pra mim, por
pior que as coisas possam ter sido entre nós algum dia.
Parei de enxergar o “não sei” como motivo pra me desesperar
e sim como uma nova chance de fazer novas escolhas. E desejo a todos que
perderam seu norte, que encontrem um lugar onde não haja ondas magnéticas e que
suas bússolas voltem a funcionar.
Ainda não sei a caminho de que estou. Mas gente, o
importante é que eu voltei a andar. Quero aprender a dizer não e sim na hora certa e não ficar presa a apenas a uma dessas respostas.
E é isso o que eu tenho pra hoje.
Não acho que deva se martirizar tanto assim por ter tentado ser feliz como não tinha sido até então, Biela. Mas o que vale é a lição, o aprendizado que você tirou disso tudo. É clichê, eu sei, mas o que é a vida senão uma grande escola onde aprendemos sempre, diariamente? Enfim, muito tocante. Como tudo que tu escreves. Beijo.
ResponderExcluirEu gosto de você. A gente nem é próxima, nem nada, mas tudo o que você escreve... É como se você tivesse colocando meus pensamentos em ordem e traduzindo-os em palavras. Eu sinceramente te desejo tudo de bom, Gabriela. Eu sei que você, e eu também, vamos achar o meio-termo. Eu acredito em mim e acredito em você.
ResponderExcluirE o texto tá ótimo. Você escreve muito bem. (;
Lembre-se sempre que o resultado é o SOl
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