Dia desses reencontrei um dos meus ex-colegas de trabalho e uma semana depois, recebi uma ligação do meu ex-chefe que estava se aposentando naquele dia. O comentário dos dois foi o mesmo: Por que você foi embora sem se despedir de ninguém? Ficou com raiva da gente?
Não, pelo contrário. Eu não me despedi porque não sei dizer adeus ao que eu amo. E eu amava meu trabalho, amava as pessoas com quem eu trabalhava e eu simplesmente não sabia como dizer tchau. Eu não queria uma festa de despedida como tantas pelas que eu passei em quanto estava lá, não queria fazer um discurso enquanto chorava, não queria abraçar todo mundo, não queria encarar o fato de que algo que eu realmente amava tinha acabado. Eu só queria ir embora como eu ia todos os dias. Eu deixei pra trás coisas pessoais minhas que jamais vou buscar, porque assim, enquanto eu saía daquela porta pra sempre, eu tinha a sensação de que na segunda-feira seguinte eu estaria de volta. Assim eu deixei a sensação de que eu ia voltar a qualquer dia.
Agora eu estou com sete malas na sala da minha casa que só será minha casa por mais essa semana, e esse é só o começo. Ainda faltam tantas coisas pra serem embaladas que não sei se conseguirei a tempo. A questão é que eu nunca soube dizer adeus a nada, nem a coisas materiais. Não jogo as roupas velhas fora, não jogo objetos velhos fora, não jogo papéis velhos fora. Eu estou envolta em um furacão de bilhetes antigos, fotos antigas, roupas antigas, cheiros antigas e lembranças antigas.
Eu amei tanta gente e tanta gente me amou. E é tão difícil entender porque não nos amamos mais, porque essas pessoas não fazem mais parte da minha vida e eu não faço parte da vida delas. Eu tenho vinte e três anos e ainda estou aprendendo a aceitar a idéia de que os momentos e a maior parte das pessoas são passageiros. Ainda dói achar bilhetinhos antigos, velhos presentes, velhas embalagens. Eu não sei dizer adeus, mas eu não controlo o destino. Tem coisas que simplesmente tem que ir, mesmo que você não queira.
E eu não sei o que adianta eu levar comigo todos os papéis e fotos quando eu tô deixando pra trás minha casa pra ir pra uma casa que deixou de ser minha há muitos anos. Quando eu tô deixando um dos meus melhores amigos, o cara que mora comigo há mais de um ano. Quando eu tô deixando os sanduíches no meio da tarde, os filmes ruins, as séries que eu ensinei ele a assistir, as cervejas nos butecos perto de casa, o jantar feito à luz da lanterna do celular quando a energia acaba, as constantes visitas, as raivas e as risadas. Quando eu tô deixando meus melhores amigos, minhas melhores histórias e meu melhor eu.
No fim, eu sempre tenho que abandonar tudo que amo. E dessa vez, não vou nem poder deixar minhas coisas pra trás pra fingir que vou voltar. Dessa vez, nenhuma recordação que eu levar vai ser o suficiente. E mesmo que um dia eu volte, nunca vai ser igual. Nunca é. Eu quero que tudo que eu amo dure pra sempre e estou me fodendo se isso é pedir demais, se isso nunca vai acontecer. Eu devia me acostumar, mas eu só tenho a sensação de quanto maior a sua capacidade de amar, maiores as chances de você tomar no cu.
Eu já não ligo mais de ir embora, eu já desisti. Tô pronta pra lidar com meus pais e as pessoas me lembrando de que eu acabei com meu futuro promissor. Mas enquanto eu olho minhas malas e assisto Vingança Entre Assassinos junto com o Jorge na sala daquela que foi minha casa nos últimos dois anos, eu fico apavorada com a idéia de que as pessoas também desistam de mim.
Eu só tenho medo de me tornar um bilhete amarelado na gaveta de alguém.